Quando assisti “Joan Didion: The Center Will Not Hold” – documentário sobre Joan Didion disponível na Netflix –, percebi que adentrar no universo da escritora é uma tarefa um tanto complexa. Pelo visto, muitos cineastas possuem esse mesmo sentimento, visto que, apesar da vasta produção dela, apenas duas foram adaptadas para o cinema. A primeira, “O Destino que Deus me deu” em 1972, dirigida pelo seu companheiro – John Gregory Dunne – e a segunda, em 2020, por Dee Rees (“Mudbound”, “Pariah”), que assina também o roteiro.
“A Última Coisa que Ele Queria” acompanha a trajetória de Elena McMahon (Anne Hathaway), uma jornalista política que cobre as revoluções da América Central na década de 80. Eventualmente, ela abandona sua carreira para ajudar o pai (Willem Dafoe), quando este adoece. É neste intrincado de informações que o roteiro de Dee Rees, em parceira com Marco Villalobos, começa a desandar.
ROTEIRO SEM FOCO
Em quase duas horas de duração, o filme cobre em torno de uma década da vida de McMahon, que, infelizmente, só se torna conhecido devido a um curto diálogo recalcado entre ela e seu pai. A personagem passa por duras complicações como a morte de sua mãe, a difícil criação de sua filha adolescente e um diagnóstico de câncer de mama, que são apenas pincelados na construção de identidade da protagonista. A solução do roteiro é conectar todos estes perrengues com coincidências rasas que movimentam de forma forçada a trama política.
Isso choca ao pensar que os trabalhos anteriores de Dee Rees apresentam personagens complexos que eram definidos por seus relacionamentos familiares disfuncionais, que realmente causavam sensações incômodas positivas no público. Em “A Última Coisa que Ele Queria”, no entanto, as relações familiares acabam por fazer a personagem se contradizer e criam narrativas paralelas que não convergem no mesmo ritmo e nem para o mesmo final da trama principal. O filme perde força, porque a escolha de contar a história desse jeito não gera a empatia necessária para segurar a trama. O resultado é que nada se conecta: as tramas ficam flutuantes e a narrativa de perde.
A parceria Anne Hathaway/Dee Rees
Apesar dessa construção problemática, é preciso salientar que Dee Rees brilha na direção de “A Ultima Coisa Que Ele Queria”. Ela possui um olhar narrativo delicado, capaz de obter as expressões e entregas mais complexas de sua equipe. A sensibilidade da cineasta é visível nessa produção e cria o ambiente que, infelizmente, seu roteiro não consegue aproveitar. A direção, no entanto, é o que consegue despertar curiosidade no espectador e sustentar sua frágil relação com a produção.
Um exemplo disso são as cores utilizadas em cena. Enquanto McMahon se mantém firme em seus ideais e a trama política flui, a cor vermelha e os tons terrosos compõem o cenário e figurinos, demonstrando a força e intensidade da personagem. Conforme o filme vai avançando, no entanto, o vermelho cede espaço ao azul e a tons mais sombrios, denotando não apenas o momento em que a protagonista se perde, mas que o próprio filme começa a desandar.
Quem também consegue apresentar um desempenho positivo na trama é Anne Hathaway. Ela entrega uma composição madura na qual os traumas da personagem podem ser tocados em cena, mesmo sem ela entregar suas dores por meio das palavras e sem conhecermos realmente sua trajetória. Seu olhar confiante e sua postura temerária revelam as camadas complexas que compõem a personagem. Dee Rees realmente extrai o que há de melhor na atriz, uma pena que o mesmo não possa ser dito sobre o seu roteiro.
“A Última Coisa que Ele Queria” apresenta-se como um filme frágil, que tenta construir um thriller político empolgante, mas incapaz de decolar. Realmente a complexidade da narrativa de Joan Didion ainda não conseguiu ser transposta para o cinema.