Romances de conto de fadas raramente sobrevivem à vida real. Para cada Grace Kelly, há sempre uma Lady Di ou Anna Bolena. Nessa linha, “Priscilla”, novo filme de Sofia Coppola, acompanha uma mulher levada à realeza da cultura pop por conta de um amor eventualmente trágico. Exibido no Festival de Londres depois da estreia em Veneza, o longa é um imperfeito relato do cárcere das paixões públicas.

A personagem-título, Priscilla Beaulieu (Cailee Spaeny, de “Mare of Easttown“), é uma adolescente que conquista o coração de Elvis Presley (Jacob Elordi, de “Euphoria”), dez anos mais velho do que ela e então no auge da fama. Ela eventualmente se muda para a mansão do Rei do Rock e casa com ele – apenas para a relação ser consumida pelas drogas, abusos emocionais e pressões da fama.

“MARIA ANTONIETA” SEM ADORNOS

Coppola é uma diretora cuja filmografia de alto apuro estético pode levar certos espectadores a sentir que ela glamouriza assuntos sérios. Seu roteiro aqui evita essa interpretação, sendo o mais contundente da carreira. Dispensando sentimentalismos, ela entra nos pormenores problemáticos de se apaixonar por um ídolo – e no sistema, largamente machista, que os possibilita.

É através desse sistema, diante dos olhos da trupe de Presley (e depois, do mundo), que uma adolescente pode virar uma esposa-troféu, visitando cassinos, tomando remédios controlados e se tornando uma celebridade no processo. A diferença de altura entre Speany e Elordi reforça a diferença de idade de seus personagens e sinaliza o quanto o romance entre Priscilla e Elvis tinha um quê de aliciamento.

De certa forma, “Priscilla” parece uma variação de “Maria Antonieta”, outro longa de Coppola que explora temas similares. Ambos acompanham garotas em casamentos públicos cheios de responsabilidades e nos quais suas necessidades afetivas não eram atendidas. Porém, enquanto “Maria Antonieta” filma a angústia de Versalhes como um videoclipe, “Priscilla” mostra uma situação desesperadora sem adornos. 

O FILME MAIS DESCONFORÁVEL DE SOFIA

Não que “Priscilla” não seja belamente fotografado. Colaborando com Philippe Le Sourd (seu diretor de fotografia desde O Estranho Que Nós Amamos), ela cria um pesadelo em tons pastéis para a sua protagonista. Isso só torna as cenas em que Elvis se mostra manipulador e violento ainda mais chocantes – e faz da produção o filme mais desconfortável de Coppola.

Apesar do tema pungente, o desenvolvimento lento da trama atrapalha o “Priscilla”. Por 113 minutos, a plateia está tão presa com Elvis quanto a personagem principal, com a desvantagem de não estar apaixonada por ele. Não é necessário conhecimento sobre a vida do astro para saber a rota que relacionamentos abusivos tomam e isso infelizmente dá uma previsibilidade pouco lisonjeira à produção.

Por sorte, a dupla de atores principais traz seu melhor jogo para o filme e ajuda a mitigar esse efeito. Considerando a leitura do rockstar americano feita por Coppola, Elordi é um casting perfeito. O ator tem a aura volátil para criar um Elvis traumatizado que esconde seus transtornos sob puro charme.

No entanto, Spaeny é a força-motriz aqui. É impressionante como ela envelhece o frescor dos olhos de Priscilla conforme sua paixão por Elvis agoniza lentamente – o que lhe ajudou a ganhar a Copa Volpi de Melhor Atriz em Veneza. É o seu desencanto que faz de “Priscilla” um conto de fadas sombrio: não só descrente do “felizes para sempre”, mas também duvidoso do romance que o antecede.