Em Supernova, Colin Firth e Stanley Tucci vivem Sam e Tusker, dois homens que se amam e estão juntos num relacionamento de décadas. O filme começa com o casal viajando num trailer pelas estradas rurais da Inglaterra. Aos poucos, vamos descobrindo quem eles são, para onde estão indo, e que uma sombra paira sobre ambos. Tusker está sofrendo de demência e, não tardará muito, não vai mais reconhecer o rosto do seu amado, nem o de ninguém mais. A viagem acaba testando os sentimentos de ambos, que chegam a um momento decisivo.

Dirigido pelo ator e diretor Harry Macqueen, Supernova é um drama sensível, pequeno e intimista, e o diretor e seus colaboradores conseguem fazer algo muito difícil no cinema: retratar a intimidade entre pessoas de maneira natural e convincente. Já conhecemos Firth e Tucci de vários outros filmes e várias ótimas atuações.

Aqui, graças ao ótimo trabalho de construção de seus personagens, em poucos minutos esquecemos os atores famosos ali e passamos a ver apenas Sam e Tusker. Realmente acreditamos na linguagem corporal deles, nas interações, e pensamos que aí está um casal que se conhece profundamente.

COMPOSIÇÕES DE CONTRASTES E COMPLEMENTARES

Como dá para notar, é um filme de atores, e o show é todo de Firth e Tucci. A dinâmica entre os dois é tão convincente e delicada que os dois desempenhos se complementam, se tornam uma coisa só, é impossível elogiar o trabalho de um sem falar do outro. Tucci, pela natureza do seu personagem, é mais quieto; sua atuação é mais introspectiva, e o ator valoriza cada momento de silêncio, cada hesitação. Dizem que um dos trabalhos mais difíceis no cinema é o de não fazer nada: aqui, Tucci transforma isso em arte, não fazendo nada exatamente, mas deixando o espectador participar, intuindo o estado emocional do seu personagem em momentos-chave.

Firth, por outro lado, é quem tem a atuação mais expansiva. Ele é quem veicula as emoções que seu parceiro, e às vezes outras pessoas em cena, não conseguem articular ou expressar. Ele consegue de fato emocionar o espectador em várias cenas, ao carregar o peso do drama da situação. Realmente, o trabalho de ambos em Supernova é daqueles de coroar carreiras, ou pelo menos já se situa entre as melhores atuações de ambos nas telas.

FOCO NA HUMANIDADE DA HISTÓRIA

Além das atuações, “Supernova” é um filme discreto e delicado. A fotografia do veterano Dick Pope embeleza as paisagens inglesas e cria aconchego e atmosfera nas cenas internas, e há um ar de despretensão em torno do filme. Macqueen sabe que sua história é pequena e não tenta fazê-la maior do que precisa ser, inserindo elementos desnecessários. O foco se mantém em Sam e Tusker e na humanidade da história, e eles estão juntos em praticamente todas as cenas.

Mesmo em alguns momentos perto do final, quando “Supernova” chega um pouco perto de resvalar numa pieguice, a condução segura de Macqueen e as interpretações de Tucci e Firth conseguem evitar isso. Percebe-se que é um filme feito com muito carinho pelos atores e pela equipe, e uma história muito humana, e é essa humanidade que fica na memória do espectador.

Muitos filmes, ao abordar temas parecidos, às vezes deixam a doença dominar a narrativa. “Supernova” quer que você fique com Sam e Tusker na lembrança, ao final da obra. É apropriado, já que é uma história sobre o amor que fica e que merece ser lembrado.

Crítica | ‘Imaculada’: Sydney Sweeny sobra em terror indeciso

Na história do cinema, terror e religião sempre caminharam de mãos dadas por mais que isso pareça contraditório. O fato de termos a batalha do bem e do mal interligada pelo maior medo humano - a morte - permitiu que a religião com seus dogmas e valores fosse...

Crítica | ‘Abigail’: montanha-russa vampírica divertida e esquecível

Desde que chamaram a atenção com o divertido Casamento Sangrento em 2019, a dupla de diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett vem sedimentando uma carreira cinematográfica que mescla o terror sangrento do slasher movie com a sátira social cômica para...

Crítica | ‘O Dublê’ – cinema de piscadela funciona desta vez

David Leitch: sintoma do irritante filão contemporâneo do cinema de piscadela, espertinho, de piadinhas meta e afins. A novidade no seu caso são as doses nada homeopáticas de humor adolescente masculino. Dê uma olhada em sua filmografia e você entenderá do que falo:...

‘Rivais’: a partida debochada e sensual de Luca Guadagnino

Luca Guadagnino dá o recado nos primeiros segundos de “Rivais”: cada gota de suor, cada cicatriz, cada olhar e cada feixe de luz carregam bem mais do que aparentam. O que parece uma partida qualquer entre um dos melhores tenistas do mundo e outro que não consegue...

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...