Já faz alguns anos que o Apocalipse não sai de moda em Hollywood. Zumbis na TV em The Walking Dead e no cinema em Guerra Mundial Z (2013), as catástrofes dos filmes de Roland Emmerich, invasões alienígenas… O espectador já viu várias versões do fim do mundo em anos recentes, incluindo até o apocalipse “emocional” e “existencial” da série The Leftovers da HBO. Ao Cair da Noite, do cineasta Trey Edward Shults, é mais um projeto do tipo. No entanto, este apocalipse é humano, pois o que importa é sobrevivência a qualquer custo.

Shults não explica nada sobre o seu Apocalipse, e é realmente melhor assistir a Ao Cair da Noite sem saber muita coisa sobre ele. Basta dizer que há uma família escondida numa casa no meio da floresta. Eles temem a noite e uma possível invasão. Um dia um estranho aparece trazendo a dúvida primordial da convivência humana pós-fim do mundo: Devemos confiar?

O diretor, e também roteirista, tem consciência da tradição e do gênero onde a sua história está inserida. A casa da família lembra as fazendas de Sinais (2002) e A Noite dos Mortos Vivos (1968) – e de certa forma, quase todas as histórias deste tipo não são filhas de A Noite… e de George Romero? Ao Cair da Noite também é essencialmente “romeriano” no sentido de que a ameaça externa – e ela existe, pois os personagens usam máscaras contra gás devido a uma doença infecciosa no ambiente – é menos importante do que a interna, o homem e a sua capacidade para destruir ao ser dominado pelo medo. Porém, Shults frustra várias vezes as expectativas de quem acha que conhece o tipo de história que ele está contando.

Ele o faz de diversas maneiras. Primeiro, se concentra mais numa atmosfera de tensão e tristeza do que em sangue ou momentos de violência extrema, embora estes elementos até apareçam de vez em quando. Nesse sentido, Ao Cair da Noite é um pouco próximo de A Estrada (2009), outro filme com apocalipse deprê e no qual as motos e carros de Mad Max jamais poderiam dar as caras. Shults também extrai atuações simples, diretas e fortes do seu elenco. Joel Edgerton (também produtor) carrega o filme no papel tradicional do homem branco e guardião da sua família – curiosamente, uma família de cor. Mas este papel de herói adquire, ao longo da história, tons sombrios. Já o jovem Kelvin Harrison Jr., o protagonista de fato, é o raio de luz dentro da história. Ambos são os destaques do filme, mas todo o elenco realmente parece interpretar figuras reais e críveis.

A única dica que Shults dá a respeito do que aconteceu com o mundo é uma pintura sinistra vista no começo do filme, um elemento que evoca lembranças de cenas de Tarkovsky e que, assim como a ameaçadora porta vermelha dentro da casa, representam poderosas imagens envoltas na penumbra. O filme não é totalmente claro nem nas cenas externas diurnas, e mesmo nelas se percebe um tom de ameaça, de perigo. A fotografia bastante naturalista e os atores mostrados sem maquiagem contribuem para a atmosfera da história, e conseguir sustentar essa atmosfera de tensão é o grande trunfo do diretor.

Pena que nos minutos finais Shults explique um pouco mais do que deveria, destruindo um pouco da ambiguidade trágica das cenas fortes vistas um pouco antes. É um final capaz de diminuir o filme. Ao Cair da Noite deve frustrar aqueles espectadores que esperam sustos e elementos tradicionais do cinema de terror e suspense, pois é sombrio e pesado demais, aposta em alguns subtextos e não entrega tudo mastigado para o espectador. E, de fato, seu niilismo não é realmente novo. Mas o filme é um exercício de suspense bem conduzido e que tem certa coragem de tocar em pontos que os filmes geralmente evitam. Geralmente nos divertimos com zumbis e enormes discos voadores destruindo o mundo. O fim do mundo é uma fantasia potente. Já o Apocalipse humano, do Homem contra o Homem… Muitas vezes, este não é tão divertido.