AVISO: texto contém pequeno SPOILER

As traquinagens cinematográficas envolvendo multiversos já se tornaram velhas conhecidas do grande público. A essa altura, já sabemos que, enquanto dispositivo narrativo, o multiverso funciona como uma victory lap, um canto de vitória, destas grandes franquias-marcas. Ou seja, rejubilamo-nos por reconhecer em tela todas as variações transmidiáticas de um determinado produto.

O primo das narrativas de multiversos é a viagem no tempo. Nas franquias cinematográficas, esse dispositivo nos oferece um replay de sequências e personagens marcantes de filmes anteriores – espécie de “melhores momentos” cuja auge é “Vingadores – Ultimato”.

Pois é exatamente por esse caminho que “Flash” segue. Tentando evitar a morte da mãe, Barry Allen (Ezra Miller) viaja no tempo para mudar seu passado – a despeito dos protestos de Bruce Wayne (Ben Affleck).

CGI DESASTROSO

Se você viu o trailer, o que mais resta? Você já sabe que Barry encontrará a si mesmo no passado; sabe também que, nesta nova linha temporal/multiverso/o que seja, Clark Kent é substituído por Kara (Sacha Calle); e, por fim, que o Batman é interpretado por Michael Keaton.

Aqui chegamos ao ponto principal: de fato, o que motivaria alguém a prestigiar “Flash” no cinema? Dificilmente os efeitos visuais: este é um dos filmes mais feios dos últimos anos. A predileção (talvez seja falta de opção, dado o histórico conturbado da produção) pelo uso massivo de CGI coloca o filme em uma estranha intersecção: de um lado, a imagem de computador desnaturalizada remetendo à terceira temporada de “Twin Peaks”, mas sem a personalidade plástica de Lynch por trás; e, do outro, algo próximo da tela de fundo da versão para Windows XP do Media Player.

O filme, principalmente na primeira metade, aposta forte em uma comicidade absurda e lúdica, que é até bem-vinda. Nestas horas, até dá pra dizer que o CGI contribui com o tom. Mas quando todas as cenas de ação estão lado-a-lado com os gráficos do XBox 360, começamos a nos preocupar pelos realizadores.

O ESTRANHO CANTO DA VITÓRIA

Seriam então as tiradas do roteiro o grande chamariz da empreitada? Talvez, porque, nesse campo, “Flash” segura as pontas por boa parte da projeção. De fato, Ezra Miller, que começa o filme cheio de tiques performáticos, desce melhor pelo palato conforme a história avança – e sua versão de 18 anos de Barry é, em igual medida, irritante e engraçada.

Mas, conforme mais e mais plot points são atirados em nossa direção, fica difícil se importar. O que sobra, então? O canto da vitória.

Só que, aqui, a DC resolveu bradar seu sucesso da forma mais estranha: como os filmes do DCEU estão longe de ser unanimidade de crítica/público, a empresa resolveu inovar e comemorar a existência de um filme de mais de 30 anos – o “Batman” original, de Burton.

Mais estranho ainda: percebendo que sua sala de troféus não é das mais cheias, a marca apela ainda mais homenageando filmes que (SPOILER) sequer existem. Caso, é claro, do mal-fadado Super-Homem de Nic Cage, que nunca aconteceu e, aqui, ganha uma cameo tenebrosa como um bonecão digital.

A julgar pelos aplausos retumbantes dos jornalistas na cabine, a estratégia deu certo: prova cabal da infantilização das plateias de cinema nos últimos anos. É por isso que fica difícil concordar com a crítica de Marcelo Hessel. Segundo ele, “Flash” abraça o cartunesco para se livrar de vez do cinismo. Será o caso?

ORGULHO DE QUÊ?

Na verdade, parece que este é um dos longas mais cínicos da memória recente porque, quando se trata de victory laps, ao menos uma Marvel da vida tem o bom senso de se ater aos produtos que, de fato, existem (ou, no caso de um “Aranhaverso”, usar a premissa como alavanca plástica).

Já “Flash” celebra o nada; na ausência de projeto, celebra os símbolos (Keaton, Reeves, Clooney); na ausência de filmes, celebra a ideia de um filme – o filme que poderia ser feito de Cage.

É o brado de vitória mais estranho de todos: a comemoração de quem se orgulha de chegar por último.