Já fui devoto da igreja de M. Night Shyamalan – e quem não foi? O Sexto Sentido (1999), Corpo Fechado (2000) e Sinais (2002) foram o bastante para converter muitos espectadores. Mas depois me desiludi e perdi a fé, lá na tenebrosa fase A Dama na Água (2006) e Fim dos Tempos (2008). Alguns anos depois, no entanto, acabei me reaproximando da igreja, depois de A Visita (2015) e Fragmentado (2017).

Porém, depois de Tempo (2021), que desmorona ao final, e deste Batem à Porta, parece que minha fé está me abandonando de novo. É apropriado um preâmbulo como este, porque Batem à Porta é um filme religioso – não abertamente, como um A Paixão de Cristo (2004), por exemplo. Mas é inegável o aspecto de parábola religiosa apocalíptica da história, bem no estilo Velho Testamento.

No filme, acompanhamos a menininha Wen (Kristen Cui) e seus pais, Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldridge), passando uns dias em uma cabana isolada à beira de um lago. Já nos primeiros minutos de Batem à Porta, a paz dessa família é perturbada por quatro estranhos liderados por Leonard (Dave Bautista), que querem entrar na cabana. Eles acabam fazendo a família de refém e dizem que eles terão de escolher algum dos seus membros para ser sacrificado… Tudo para evitar o iminente fim do mundo.

DIREÇÃO SEGUE AFIADA

Em Batem à Porta, o Shyamalan diretor continua afiado. Desde o início, ele cria a atmosfera de estranheza e tensão da história: ao enfocar a conversa entre a pequena Wen e o grandalhão Leonard, os primeiríssimos planos transmitem uma forte sensação de intimidade, que vai se transformando em algo esquisito. Mais tarde, dentro da cabana, o cineasta explora ângulos estranhos e a disposição dos atores dentro do quadro para aumentar o suspense: um plano muito eficaz é o que coloca a cabeça desfocada de Bautista posicionando-se entre Groff e Aldridge, sentados e amarrados.

Shyamalan também se diverte brincando com elementos tradicionais dos thrillers. A cabana isolada é um clichê do terror, bem como o próprio formato do subgênero de invasão doméstica. O trabalho sonoro de Batem à Porta também merece destaque: temos sons da natureza criando tensão, ruídos para sugerir atos violentos que a câmera não mostra e uma trilha sonora eficaz composta por Herdís Stefánsdóttir.

E, claro, os atores estão muito bem, com destaque para Bautista, que realmente vem se revelando um bom ator nos últimos anos. O desempenho dele aqui carrega o filme em diversos momentos, e Bautista dota Leonard de nuances que o tornam uma figura ao mesmo tempo ameaçadora, gentil e curiosa.

ROTEIRO QUESTIONÁVEL

Mas o Shyamalan roteirista, esse continua fazendo coisas questionáveis. Chega a ser bizarro como em alguns momentos, os raptores ligam a TV justo na hora certa para mostrar aos reféns algo importante para a trama. E o filme traz um plano espetacular de alguém filmando um tsunami – grande momento para os efeitos visuais – embora não faça sentido alguém continuar apontando uma câmera com uma onda gigante se aproximando cada vez mais.

O que nos traz ao lado fantástico da história, adaptada do livro “O Chalé no Fim do Mundo”, do autor Paul Tremblay (o qual não li): filmes anteriores de Shyamalan traziam noções de espiritualidade e o próprio diretor comparou seu novo filme com Sinais. Aquele filme podia ser considerado como uma visão “Novo Testamento”: o protagonista aprendia a reconhecer a presença do divino ao interpretar os sinais em sua vida que lhe permitiam salvar sua família de um ataque alienígena. Sua jornada era pessoal e positiva.

Porém, a visão em Batem à Porta é Velho Testamento: é o Deus sacana e impiedoso que pede a alguém que sacrifique a família que está em foco aqui, e acaba se tornando questionável colocar no centro desse dilema uma família com um casal de mesmo sexo. Dentro da história, há subtextos inegáveis que levam à reflexão, como a mentalidade de culto que se percebe nos antagonistas, e o próprio papel da religião. Mas abraçar uma visão tão fundamentalista, no mundo de hoje com tanto extremismo religioso e tanta gente acreditando nas coisas mais estapafúrdias, é realmente válido? Pessoalmente, não tenho dúvida de que esse filme possa ser, no futuro, abraçado por alguns grupos conservadores por aí.

No fim das contas, Batem à Porta mostra personagens parecidos com tantos terraplanistas delirantes que vemos por aí, e os mostra como passíveis de ter razão. É uma noção perigosa que diminui bastante o filme, e ele até funciona bem como suspense, principalmente no início. No entanto, esse sermão do pastor M. Night Shyamalan deixa uma sensação estranha, a de uma obra que até se pode admirar em alguns aspectos, mas que é bastante questionável em outros.

Talvez uma coisa seja certa: depois de Fim dos Tempos e Depois da Terra (2013) e agora este, seria melhor ele ficar longe dos apocalipses.