O desejo de trazer uma história que nunca foi contada na ficção brasileira. Com esse sentimento, a equipe da série “Colônia” participou de uma coletiva de imprensa relatando as suas experiências durante a produção do projeto. A obra lançada no Canal Brasil retrata a história pouco conhecida do genocídio que ocorreu no maior hospício do país, o Centro Psiquiátrico Hospitalar de Barbacena, em funcionamento de 1903 até meados dos anos 1980.
Transmitida pelo YouTube e com a presença do Cine Set, o evento contou com a participação do diretor/criador da série André Ristum (“A Voz do Silêncio”), o produtor Rodrigo Castellar e os membros do elenco Fernanda Marques, Andréia Horta, Rejane Faria, Augusto Madureira, Bukassa Kabengele e Arlindo Lopes
Baseada no livro-reportagem “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex, a produção com 10 episódios se passa em 1971 e adapta para a ficção as barbaridades ocorridas dentro do hospital e como eram os perfis das pessoas que vivam nele. A protagonista é Elisa (Fernanda Marques), uma jovem de vinte anos que chega ao Hospício Colônia no começo dos anos setenta. Ela está grávida de quatro meses de sua grande paixão juvenil e foi enviada para o local pelo pai, Júlio (Henrique Schafer), que fica enfurecido ao descobrir que a filha arruinara seus projetos de casá-la com um rico vizinho de fazendas.
Elisa logo se depara com a verdadeira loucura ali presente, mas rapidamente consegue descobrir que, assim como ela, muitas outras pessoas sem nenhum tipo de diagnóstico de doença mental estão internadas: o alcoólatra Raimundo (Bukassa Kabengele), a prostituta Valeska (Andréia Horta), o homossexual Gilberto (Arlindo Lopes) e dona Wanda (Rejane Faria), todos para lá enviados por serem considerados incômodos para a sociedade. Elisa se aproxima destas pessoas e cria laços de amizade fundamentais para sobreviver, da maneira mais sã possível, a uma vida de abusos e violência diária.
DESCONHECIMENTO DA PRÓPRIA HISTÓRIA
Durante a conversa conduzida pela jornalista e apresentadora do Canal Brasil, Simone Zuccolotto, o diretor, os produtores e o elenco exaltaram o sentimento de orgulho por tratarem de temas de importância social para o público brasileiro.
André Ristum comentou sobre o que chamou atenção para contar a história sobre o Colônia: “As questões humanas são as primeiras que me tocam e me inspiram quando eu decido contar uma história. Esse lugar se tornou o destino dessas pessoas que a sociedade queria esconder ou se livrar de alguma maneira”.
Tendo um histórico de pessoas com doença mental em sua família, a atriz Fernanda Marques, intérprete da protagonista Elisa, comentou sobre a sua experiência com o assunto: “Ainda sim era uma coisa muito distante para mim, pois, minha família nunca falou disso de forma natural, sempre foi muito velado. Existe esse apagamento, essa vergonha e esse preconceito em cima desse tema ainda”.
Durante o processo de preparação da sua personagem Vanda, a atriz Rejane Faria descobriu que sua bisavó foi uma das vítimas do Hospital Colônia de Barbacena: “Parecia que eu ouvia essas coisas de um passado tão distante, mas não era: estava tão próximo de mim e eu não conhecia a história toda”.
Nascida em Juiz de Fora, Andréia Horta, que vive a prostituta Valeska em “Colônia”, questiona o apagamento histórico das vítimas: “Morei em Minas Gerais até os 17 anos e esse não era um assunt., Barbacena é próximo à Juiz de Fora e a história do Colônia é uma história gigantesca. Depois que eu saí de lá que eu tive conhecimento do hospital. É muito intrigante: por que não se fala sobre isso? O que aconteceu ali? Por que ninguém dá a devida proporção da tragédia e do absurdo que acontecia ali?”.
MUNDO SEM CORES
Vivendo o alcoólatra Raimundo, Bukassa Kabengele define a série como uma obra que reflete uma mentalidade de sociedade da sociedade brasileira: “”Colônia”, para mim, demonstra o investimento do apagamento no Brasil, algo constante e sistemático na nossa história. Certos grupos sociais determinam o que será escondido e o que será visto”, declarou.
Para dar uma dimensão da baixa qualidade de vida dos moradores do Centro Psiquiátrico Hospitalar de Barbacena, o preparador do elenco, Luiz Mário Vicente, propôs que os atores capinassem. “Entendi que essas pessoas para poderem dormir capinavam com as mãos e esse monte de capim viravam as camas. Os pacientes eram tratados de uma forma muito desumana”, declarou Arlindo Lopes, intérprete do homossexual Gilberto.
A série teve em locações entre Campinas e São Paulo com o hospício reconstituído em um edifício antigo no bairro do Ipiranga, na capital paulista. De acordo com o produtor Rodrigo Castellar não ter filmado em Minas Gerais foi uma questão de estrutura técnica e logística.
Quanto à opção de rodar “Colônia” em preto e branco, Ristum explicou que nunca enxergou cores nessa história: “Pensando na trama, eu só via imagens em preto e branco. Acho que por conta das referências das fotos, dos filmes da época, mas, de fato, era imaginar que a vida dessas pessoas não tinha nenhuma cor e nenhuma luz”.
Os novos episódios de “Colônia” vão ao ar sempre às sextas-feiras, a partir das 21h30 (hora de Brasília), no Canal Brasil e estão disponível no Globoplay.