É quase uma unanimidade que gostos são subjetivos. Se formos parar para pensar, a imposição social nos coloca nesse lugar do que realmente gostamos de fato ou se são apenas imposições sociais. Ok, isso é papo para outro momento. Vamos focar nos “Filmes do Coração”.

Nas últimas semanas aconteceu no Casarão de Ideias, velho parceiro de guerra do Cine Set, a Mostra Filmes do Coração, idealizado e executado pelo diretor e pesquisador Walter Fernandes Jr. Uma programação especial buscando integrar mais o público com os críticos e alguns profissionais do audiovisual da cena manauara. A ideia, segundo ele, “surgiu da intenção de colocar críticos e realizadores em contato com o público com algumas de suas preferências cinematográficas e assim estabelecer um diálogo que possa sedimentar ainda mais a cultura cinematográfica na cidade”. E foram momentos especiais, pois, ao longo das últimas oito semanas, houve sessões de clássicos do cinema mundial e, ao fim, o debate com o público presente.

Claro que o Cine Set não poderia ficar de fora representado muitíssimo bem por Ivanildo Pereira (que escolheu “2001, uma Odisseia no Espaço”), Renildo Rodrigues e o seu “Parque dos Dinossauros”, Danilo Areosa e “Um Tiro na Noite”, esta pessoa que vos escreve com “Segundas Intenções” e “Brilho Eterno Sem Lembranças”, filme do coração da Pâmela Eurídice.

Sobre a sua escolha, a crítica e pesquisadora revela que, “o filme aborda relacionamentos e a nossa vontade de deixar para trás o que nos incomoda, mas estarmos marcados por isso. Gondry e Kaufmann constroem uma narrativa cheia de detalhes e camadas que se enriquecem conforme mergulhamos no relacionamento de Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), como o cabelo dela, os traumas de Joel e até mesmo os relacionamentos dos personagens secundários. Além disso, o filme é uma ficção científica romântica, unindo dois gêneros que amo”.

ETERNIZADO NA MEMÓRIA

Voltamos ao início quando disse que gostos são subjetivos. Prevejo certo estranhamento sobre a minha escolha, “Segundas Intenções”, em meio aos clássicos do cinema. Mas o que são clássicos, afinal? Já falei sobre isso em duas ocasiões anteriores “Bonequinha de Luxo” e “Short Cuts”, sobre quais motivos um filme torna-se clássico e como atinge ao público.

As justificativas foram diversas para que esses filmes estivessem nessa mostra. Questões técnicas, edição, roteiro, atuações, direção, efeitos especiais e, claro, questões pessoais, passearam nas justificativas dos meus comparsas.

E por quais motivos escolhi “Segundas Intenções”?

Simples. Foi a partir dele, que o pré-adolescente Lucas naquele longínquo ano 2000 descobriu um novo mundo, um novo olhar acerca do que poderia supor do que é cinema e temas mais robustos, mais adultos e fora do eixo infanto-juvenil que tinha toda a minha atenção à época.

“Titanic” continua sendo o meu filme favorito, há uma imersão adulta também, mas nada que despertasse a minha atenção quanto as crueldades juvenis de Kathryn (Sarah Michelle Gellar) e Sebastian (Ryan Phillippe). Era tudo novo ali para mim. E a sensação de satisfação de ir à locadora alugar ao filme para passar o final de semana assistindo em looping infinito para na segunda-feira comentar com as amigas de classe, era inenarrável. E o som da fita rebobinando? Não sou muito saudosista, mas pensando nesses momentos particulares, a saudade bate forte. Ah, a descoberta da adolescência!

Pois bem, para além do enredo centrado em intrigas e sexo, foi a primeira vez que vi uma bunda masculina na tevê, um beijo lésbico, alguém usando drogas, usando o sexo como benefício próprio e a questão do figurino para distinguir o caráter dos personagens: Kathryn e Sebastian sempre de preto e cores escuras. A doce Anette (Reese Witherspoon) com cores claras e românticas como o branco e o rosa. E maluquinha da Cecile (Selma Blair), o alívio cômico da trama, sempre colorida e floral.

O filme é baseado no clássico francês “Les Liaisons Dangereuses” de Choderlos de Laclos, lançado em 1782! A primeira adaptação cinematográfica acontece em 1959, com direção de Roger Vadim. A segunda e considerada a versão definitiva, “Ligações Perigosas” (1988) tem uma direção impecável de Stephen Frears e roteiro de Christopher Hampton. Sem contar o elenco de ouro: Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer e os então estreantes, Uma Thurman e Keanu Reeves.

MEU COMING OF AGE

“Segundas Intenções” também surfou na onda das adaptações de clássicos da literatura mundial na linguagem dos jovens da época, principalmente depois do estouro que foi “Romeu+Julieta” (1996) do Baz Luhrmann, filme que elevou o status de Claire Danes e Leonardo DiCaprio. E no mesmo ano de 1999, foi lançado outro clássico juvenil, “10 Coisas que Eu Odeio em Você”, com base em “A Megera Domada” de Shakespeare, colocando os nomes de Julia Stiles, Heath Ledger e Joseph Gordon-Levitt no radar dos astros em ascensão.

Nesse sentindo, o diretor e roteirista, Roger Kumble foi bem eficaz em adaptar um texto tão complexo para uma linguagem mais prática e que atendesse a necessidade do público jovem naquele momento. E mais competente ainda ao escolher seu elenco, astros e estrelas no auge de suas carreiras na televisão americana ou no cinema: Sarah Michelle, Ryan, Reese, Selma, Joshua Jackson, Tara Reid e Sean Patrick Thomas. Soma-se a isso a inclusão de duas lendas, Christine Baranski e Louise Fletcher. Pronto, sucesso garantido.

Muitos podem torcer o nariz para o filme que não é um dos mais celebrados da época, mas isso pouco importa na minha perspectiva e experiência com o filme. Foi também com ele a minha inclusão aos filmes legendados, ampliando a minha percepção de tudo que acontece na tela sem perder nada.

Portanto, o meu filme do coração, “Segundas Intenções” faz parte do que eu compreendo como meu coming of age. Ele me coloca em temas de certa forma mais maduros, também na questão social e racial e a hipocrisia da elite dominante e seu tédio pela vida usando e abusando do outro por mera diversão. Como não amar?