Os primeiros momentos de A Voz de Silêncio já dão um bom indício das intenções do diretor André Ristum em relação ao seu filme: sem qualquer diálogo, a obra mostra imagens de uma São Paulo barulhenta, com seus sujeitos anônimos imersos sobre o estado caótico da selva de pedra metropolitana. A partir deste início, o roteiro de A Voz de Silêncio de André em parceria com Marco Dutra (diretor dos ótimos As Boas Maneiras e Quando Eu Era Vivo) entrelaça várias histórias sobre as relações solitárias de seus personagens neste cotidiano.

São nove pessoas interligadas por laços frágeis, alimentados por vícios, desilusões e adoecimentos que trabalham diferentes temáticas do isolamento como raça, classe social, evangelismo, homofobia, envelhecimento, relações abusivas e adultério. Ristum adiciona a esta rotina, um fenômeno astronômico do eclipse lunar total (conhecida como lua de sangue) como símbolo metafórico das transformações emocionais dos personagens – marcadas pelas ambiguidades -, já que tanto pode significar o final dos tempos como o renascimento delas, ao final da película.

O terceiro longa-metragem do diretor – uma produção realizada entre Brasil e Argentina – A Voz de Silêncio segue um gênero específico de cinema, os filmes mosaicos de melodramas socais, aqueles com múltiplas histórias e personagens que se cruzam sucumbem a um único protagonista, que é a vida diária e seus conflitos. No caso do filme, o eclipse lunar é o fenômeno misterioso que unirá todos os nove personagens, enquanto a narrativa perpassa pelos seus dramas e dilemas gerados pelos caos e ausência de amor dentro da metrópole paulistana, que é bem ilustrado pelo roteiro na sequência em que um dos personagens observa solitariamente a imensidão da cidade enquanto toca “Não Existe Amor em São Paulo” de Criolo.

Neste sentido, gosto da ambição do filme em apresentar uma temática promissora para os padrões nacionais com um número abrangente de personagens e o mergulho que o diretor se propõe a fazer é amplo nos temas abordados. O diagnóstico emitido pelo filme que o mal-estar da civilização atual é a própria solidão, que adoece grande parte da nossa sociedade, onde os desencontros urbanos cotidianos dão margem para o isolamento emocional de uma forma geral, principalmente pela ausência de laços familiares, nunca deixa de ser relevante durante sua projeção.

Ao mostrar as grandes pressões urbanas dando voz as fissuras emocionais em relação suas dores e angústias, o filme privilegia bons aspectos visuais: a fotografia com planos fechados no rosto de atores juntamente com a montagem direcionam o espectador para as virtudes e qualidades dos seus personagens; o escopo sonoro com os sons ambientes contribuem para dar voz as cores e movimentos, assim como promover o caos tanto urbano e emocional que o filme se propõe. Neste sentido, a cinematografia capta melhor o discurso do que o próprio texto. Não é à toa que o filme rendeu a André Ristum o Kikito de melhor direção e melhor montagem para Gustavo Giani no último Festival de Gramado.

O, porém, é que ao criar este universo de solidão, de encontros e reencontros, Ristum mira nos clássicos da linguagem cinematográfica de mosaicos como Magnólia de Paul Thomas Anderson, Short Cuts – Cenas da Vida de Robert Altman e o recente brazuca, O Som ao Redor de Kleber Mendonça, mas o que ele atinge na verdade, são os momentos apenas superficiais do irregular Crash – No Limite de Paul Higgis. Em A Voz de Silêncio, as tramas são superficiais e poucas aprofundadas dentro dos seus arcos dramáticos e o ritmo vagaroso, intensifica um sentimentalismo nada espontâneo, que potencializa o desequilíbrio e redundância do trabalho, e que de certa forma, comprometem parte das atuações, que apesar de não serem ruins, são problemáticas.

O resultado irregular é observado em algumas tramas. A história da mãe amargurada que passa o dia todo trancada em um apartamento vendo programas evangélicos e que negligencia os filhos é aquela que é melhor desenvolvida, ainda que isso, não signifique que ela é totalmente satisfatória. Marieta Severo no papel da mãe rouba a cena ao impor – até porque o roteiro não se preocupa em delinear uma dramaticidade crível da sua personagem – uma carga de fragilidade, crueldade e arrependimento nas suas decisões do passado. A do advogado sem escrúpulos vivido pelo veterano Marat Descartes é totalmente desperdiçada no seu conteúdo e não passa de uma cópia – muito malfeita – do drama da personagem de Julianne Moore em Magnólia. Para completar as atuações de Arlindo Lopes (Alex, o operador de Telemarketing) e Nicola Siri (dono do restaurante) nunca encontram o melhor tom nos excessos dramáticos.

Assim como estas duas histórias, outras apresentadas em A Voz de Silêncio sofrem de altos e baixos. Na verdade, de boas ideias, André Ristum não parece sentir falta, só não convence na forma rasa como as executa nas histórias, através de diálogos que não embasam um argumento sólido na sua competência. Se de um lado há dignidade e esforço do diretor de mostrar seu amor pelos melodramas sociais e o fascínio que a solidão exerce sobre a humanidade, pelo outro ele jamais atinge o potencial de encontrar um equilíbrio visual e narrativo para tornar sua crônica social marcante, que mesmo longe de ser um erro, deixa um gosto amargo.