Descrito como uma “carta de amor aos jornalistas”, “A Crônica Francesa” é uma divertida homenagem do diretor Wes Anderson à mídia impressa e aos articulistas que o inspiraram. O projeto, que estreou em Cannes e foi exibido no Festival de Londres deste ano, é o filme no qual o cineasta mais abusa do seu estilo visual característico e joga para a torcida. Ainda que não seja seu melhor longa, seus momentos inspirados e tocantes justificam o preço do ingresso.

A produção acompanha a equipe de um jornal americano baseado em uma pequena cidade francesa pesquisando e escrevendo seus artigos. Estruturado como uma edição da publicação, “A Crônica Francesa” se apresenta como uma pequena antologia de contos, centrando-se em quatro histórias distintas que ocupam a maior parte dos 103 minutos de projeção.

IRREGULARIDADE DIANTE DE TANTAS HISTÓRIAS

O cinema de Anderson é recheado de personagens cheios de manias e trejeitos usados para fins cômicos. Boa parte do seu humor vem de imaginar o que pessoas com aptidões (ou inaptidões) singulares fazem diante de situações inusitadas. Aqui, livre das limitações de uma história única, o diretor aproveita a estrutura multipartite usada aqui para povoar ainda mais seu universo de pessoas particulares.

Com tantos personagens, é impossível fazer justiça a todos: enquanto Roebuck Wright (Jeffrey Wright) e o Tenente Nescaffier (Stephen Park) estão entre as melhores criações do diretor, outros, como a revolucionária Juliette (Lyna Khoudri) aparecem subdesenvolvidas e beirando o clichê. Isso é sintomático do filme como um todo. Optando pelo formato antológico, o diretor abre margem para que certas histórias funcionem melhor do que outras, o que torna o longa irregular.

As duas primeiras – uma crônica pitoresca estrelando Owen Wilson e uma sátira do mercado de arte estrelando Benicio del Toro, Léa Seydoux e Adrien Brody – são as melhores. A última, um conto policialesco estrelando Wright, é boa ainda que beire o pastiche, mas a penúltima, em que o cineasta aborda a revolução estudantil francesa de 1968, falha em encontrar algo novo (ou engraçado) sobre seu tema e se arrasta. O fato de que ela está no meio do filme tampouco ajuda o ritmo da obra.

NOSTALGIA DE UM PERÍODO PERDIDO

Apesar disso, mesmo em seus momentos morosos, “A Crônica Francesa” transborda primor técnico, com a fictícia Ennui-sur-Blasé (onde o jornal é baseado) rendida em impressionantes detalhes. O longa homenageia a França da mesma maneira que “O Grande Hotel Budapeste” fez com a Áustria e a Alemanha. Claro, a França de Anderson é exagerada e largamente simbólica (arte, cigarros, culinária, livros aparecem constantemente) – mas não por isso menos adorável.

Como em “O Grande Hotel Budapeste”, o diretor quer falar, com certa nostalgia, de um período perdido no tempo. Com a relevância e impacto da mídia impressa constantemente questionadas na era digital, “A Crônica Francesa” é um emocionante retrato da vida de profissionais que se propuseram a relatar e interpretar seu mundo em tinta e papel.

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