Pequenos alinhamentos fortuitos: que a DeMillus tenha patrocinado a produção de um filme chamado “O País da Pornochanchada” é o primeiro deles. O segundo é que a procura por um longa perdido renda, por sua vez, uma obra tão proveitosa.

O tal filme perdido, no caso, é uma pornochanchada de Saul Lachtermacher, pai do diretor Adolfo Lachtermacher, que dirigiu este documentário (ou “documentário-chanchada”, como quer o diretor), em parte, como homenagem ao patriarca.

(Antes de prosseguir, caro leitor, acho que é apenas apropriado, dado o filme a ser analisado, que a divisão interna deste texto busque inspiração nos títulos das antigas pornochanchadas. Sendo assim…)

É do jeitinho brasileiro que elas gostam…

Já de cara, Lachtermacher define a chanchada (e, por consequência, a porno-) como a demonstração de força de um povo que aprende, desde cedo, que “é preciso rebolar”. Debochar, antropofagizar, carnavalizar são coisas nossas.

As pornochanchadas são, então, prolongamento natural de um gênero verdadeiramente brasileiro: situadas, por um lado, em um contexto de liberação sexual e revisão dos valores tradicionais e, por outro, de intensa repressão ditatorial e conservadorismo, elas são atestado das neuroses e contradições do brasileiro.

Exemplo disso é a sexualização da mulher nesses filmes. A pornochanchada propõe, é verdade, uma objetificação que sedimenta, que engessa, que mortifica a mulher. Mas ao mesmo tempo, Lachtermacher argumenta que o fato de atrizes como Sônia Braga e Vera Fischer terem conseguido ampla penetração (se é que me entendem) nacional a partir desses filmes denota um aumento do que é permitido a uma mulher fazer na sociedade.

As santinhas no país do pecado

Que a chanchada – e sua prima malvada, a pornochanchada – constituam, nas palavras de Lachtermacher, um “eterno retorno” brasileiro, é sinal de que nossas neuroses não foram expurgadas com o retorno da democracia. As mamadeiras de piroca que o digam!

Todas essas observações que Lachtermacher suscita com seu filme são interessantíssimas, é verdade. Mas no que diz respeito a uma exploração dos filmes em si, “O País da Pornochanchada” se torna, por definição, um pouco limitado.

É que Lachtermacher parte da própria história familiar para falar de Brasil e de cinema. O que significa dizer que ele foca, majoritariamente, nos filmes dirigidos pelo pai: “O Marido Virgem” e “Deixa Amorzinho… Deixa”. Daí a impressão de que algo está faltando…

Não, este não é o filme definitivo sobre a pornochanchada – verdade seja dita, provavelmente não é o filme definitivo nem sobre a obra do pai do diretor. Mas, ao lado de “Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava”, é mais um passo importante no redescobrimento deste Brasil cinematográfico.