2h45? 2h45! 2h45… 

Esses são, em sequência, os três primeiros pensamentos que cruzam a mente do espectador no início da projeção de “Pacifiction”. O quarto talvez seja “Uau”, interjeição que surge diante dos primeiros planos do filme: crepúsculos de cores neon, em mesclas impossivelmente saturadas de laranja e rosa. 

Fica claro, então, que estamos no reino das imagens digitais – e com orgulho. Mas não se trata aqui, logo veremos, da quase abstração digital de um Michael Mann em “Miami Vice”, ou do hiper-realismo artificial de um James Cameron em “Avatar: O Caminho da Água”. Antes, o projeto do filme é anunciado pelo Alto Comissário (Benoît Magimel) lá pelas duas horas e tantas de projeção: “A política é como uma discoteca”.

O problema é que a máxima surge tarde demais, óbvia demais.

Paraíso artificial

O Alto Comissário aproveita suas regalias diplomáticas para zanzar pelo resort de luxo em uma ilha da Polinésia francesa. Mas algo no vento sugere uma mudança em curso: marinheiros franceses atracam na ilha inesperadamente, um português com imunidade diplomática perde seu passaporte e o clima de conspiração cresce. 

Tudo isso, veremos, é exposto placidamente ao longo da primeira hora e meia, enquanto o bon-vivant de Magimel transita pelos bastidores do hotel, coletando informações aqui e acolá. Essa demora é, obviamente, parte do projeto do diretor Albert Serra, no que o crítico Arthur Tuoto descreveu como “suspense imersivo”. Claro, imersivo é uma palavra útil, tão útil quanto “sensorialidade” e afins – e, de fato, pelo menos, durante a primeira hora, Serra consegue criar um certo clima bastante específico. 

Esse clima depende largamente do uso que o diretor faz da cinematografia digital. É bom ver alguém interessado em trabalhar na especificidade deste novo formato, levando o color grading ao limite da saturação, aproveitando-se da nitidez cristalina em situações de baixa luminosidade, encharcando “Pacifiction” em halos de luz que distorcem e encobrem os personagens. 

Isso tudo é bastante “sensorial”, sim, mas logo nos deparamos com um problema que aparece bifurcado: ou o projeto de Serra deveria efetuar um mergulho ainda maior na sensorialidade – isto é, radicalizar ainda mais as possibilidades com as quais flerta -, ou o diretor daria a entender que acredita ter algo significativo a dizer – o que não é o caso. 

Não que sua tese – “a política é como uma discoteca” – esteja errada; ela só não suporta duas horas e quarenta e cinco minutos de projeção (talvez na França ou na Espanha natal de Serra, onde seu suposto cinismo e acidez em relação ao aparato colonial europeu pode soar minimamente mordaz). E, sendo assim, sua empreitada também deixa a desejar pelo outro lado: o diretor é igualmente incapaz de sustentar aquele clima da primeira hora, de criar um espaço no qual o espectador possa submergir por quase 180 minutos sem querer retornar à superfície antes da hora. 

Se ele tem um trunfo, é a presença engomadinha de Benoît Magimel. O sujeito transita por clubes noturnos e praias paradisíacas com uma fuça que é fruto do cruzamento entre Nicolas Winding Refn e Bruno Chateaubriand – ou seja, a caracterização inconfundível de um babaca. Essa pose contrasta, é claro, com seus supostos afazeres diplomáticos de alta seriedade – e o modo como o ator alterna entre o estrategista geopolítico e o magnata bonachão quase mantém nosso interesse por “Pacifiction” vivo.