Mirar nos gigantes é uma forma de autossabotagem? Sinceramente, não sei responder a esse questionamento que ficou na minha cabeça após assistir a “A Ilha de Bergman”, novo filme da diretora Mia Hansen-Løve. A realizadora francesa coloca muitas caraminholas na mente de quem acompanha a história de Chris (Vicky Krieps), uma roteirista que viaja com o marido, Tony (Tim Roth), para Faro, cenário de algumas das obras mais importantes de Ingmar Bergman. Nessa ilha do Mar Báltico, ele estabeleceu residência e lá morou até seus últimos dias. 

Tony parece encher páginas e páginas de seu novo roteiro com a maior facilidade. Já Chris sente a dor de colocar as palavras no papel. Entre eles, Bergman surge como um amor imenso, mas que nasce por fontes diferentes. Os dois se instalam em uma das casas do diretor sueco, com a ironia – que não passa batida – de dormirem na mesma cama que foi usada em “Cenas de Um Casamento”, a minissérie/filme que, como é lembrado mais de uma vez na história, foi responsável pelo aumento do número de divórcios na Suécia nos anos 1970. 

O processo criativo, contudo, não é compartilhado. Durante o dia, cada um fica em chalés diferentes. Um deles abriga toda a dor da criação que paira sobre Chris. Ela está o tempo todo se questionando e questionando também a obra e, principalmente, a vida de Bergman. Os filmes dele a deixam triste, mas ela os assiste porque os ama. 

Mia Hansen-Løve é engenhosa ao nos transportar para esse mundo à parte: a síndrome da impostora não tem um caminho tão óbvio aqui, já que Chris está mais disposta a passear por espaços que não estão no roteiro e é por essas quebras que Hansen-Løve se aproveita para mostrar toda a angústia da criação. 

O MISTÉRIO DA POTÊNCIA SILENCIOSA 

Se Faro é definida em qualquer site de turismo como “refúgio” de Bergman, eu tomo a liberdade de pegar emprestada essa palavra para meu texto. Bergman é refúgio para Chris, e não apenas por seus filmes. É na arte criada por ele, nas mulheres que ousou em examinar, que ela examina a si mesma como escritora. O que é essa potência silenciosa: a aparente facilidade de um homem capaz de ser considerado inspiração para alguém (na terra do diretor de Persona e Gritos e Sussurros!) ou a dúvida de uma mulher que sente igualmente tanto a dor de escrever quanto a culpa de não estar com a filha? 

E mesmo quando resolve de vez brincar com o espectador e colocar uma história dentro de sua história, “A Ilha de Bergman” continua coeso. Mais que isso: o filme se enriquece na minha visão, já que é por meio de Amy (Mia Wasikowska) que senti a libertação de Chris e como tudo parece mais simples quando está pronto, sem que ninguém saiba o quão doloroso foi o processo para que tudo chegasse àquele ponto.  

Que fantasmas nos guiam e como eles nos inspiram? Quando eles deixam de ser refúgio e se tornam empecilhos? Há uma catarse tão bela quanto a de quem espanta seus demônios com uma canção do Abba? Novamente, volto ao início do texto para dizer que não sei responder a nada disso. Também estou nesse barco cheio de dúvidas, dona Mia Hansen-Løve, e é reconfortante demais sentir que não estou sozinha. 

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