Dwayne Johnson já parece uma figura de história em quadrinhos. Por isso, era natural que, um dia, ele vivesse um super-herói nas telas. Hoje em dia, “The Rock” é o maior astro do cinema, poderoso especialmente do lado de cá das câmeras. Um dia, ele deve ter visto alguma ilustração do personagem Adão Negro, achou que tinha um visual legal e disse: “É esse aí que quero interpretar”.

Imagino a reunião entre o astro e os executivos: alguém deve ter mencionado que, tecnicamente, o Adão Negro é um vilão e não cairia bem a Dwayne Johnson viver um cara do mal. Ele deve ter respondido: “confiem em mim”, dado um sorrisinho e resolvido tudo ali.

O resultado é este Adão Negro, nova produção do estúdio Warner Bros. com super-heróis da DC que se encaixa dentro do universo compartilhado que vinha sido construído há quase uma década. A tentativa da Warner de construir o Universo DC nas telonas foi bem problemática, como bem sabemos. Mas o superpoder de The Rock é tamanho que ele entregou ao estúdio o primeiro filme de super-herói do Oriente Médio e os executivos nem devem ter percebido. E ainda vai fazer um grande sucesso.

FILME BOBO CHEIO DE MODERNICES

Desde o começo do filme, percebemos que estamos naquele território do cinema B com grandes valores de produção: O prólogo parece saído de A Múmia (1999), com um narrador expositivo nos contando tudo – vale lembrar, The Rock despontou para o cinema como o vilão Escorpião-Rei na sequência de A Múmia há mais de 20 anos. Nesse prólogo, conhecemos a figura de Teth-Adam, que ganhou muito poder, inspirou um povo e sumiu por milhares de anos. Corta para o presente, no país fictício da Kahndaq – mas que podia ser o Líbano ou até o Iraque… Uma arqueóloga (vivida por Sarah Shahi) e seus amigos acabam descobrindo a tumba de Teth-Adam (Johnson) e o libertam. Logo, o caos o segue.

O roteiro de Adão Negro é bem fraquinho, aquele tipo de filme onde as coisas acontecem sem muita fundamentação (qual era o objetivo da arqueóloga mesmo?), onde todo mundo vai correr atrás de um MacGuffin (a tal coroa do Mal), e os personagens são clichês (tem até o garotinho esperto e skatista típico do começo dos anos 2000 que vira amigo do “anti-herói”).

Uma pena que o roteiro seja preguiçoso porque o diretor Jaume Collet-Serra comanda tudo com uma energia considerável. Adão Negro é um filme completamente bobo, cheio de modernices: câmera-lenta o suficiente para deixar o Zack Snyder excitado, uma computação gráfica inconsistente e, do nada, começa a tocar “Paint It Black”, dos Rolling Stones, quando o protagonista começa a detonar tudo. É tolo, mas inegavelmente divertido, ainda mais quando entram em cena os heróis da Sociedade da Justiça, grupo que nas HQs da DC é o lendário precursor da Liga da Justiça. Os ótimos Aldis Hodge como Gavião Negro e Pierce Brosnan como Sr. Destino são, facilmente, as melhores coisas do filme.

A Sociedade introduz um interessante subtexto a “Adão Negro”: é curioso como o Gavião diz que seu objetivo é “defender a estabilidade”, ou seja, quando aparece um herói superpoderoso em num país que não seja os Estados Unidos, ele imediatamente vira alvo. É curiosa essa noção estar presente dentro de um filme pipoca até mesmo raso como esse. Afinal, já dizia o mago Alan Moore, o maior escritor de quadrinhos de todos os tempos, que o super-herói é um agente do sistema, e esse conceito aparecer em Adão Negro torna a experiência mais interessante e questionadora. Lamenta-se que o roteiro não explore mais essa noção.

THE ROCK CHEGOU PARA FICAR NA DC

E é uma pena que o roteiro – de novo, ele – invente uma reviravolta a mais para preparar um terceiro ato que faz “Adão Negro” desmoronar. O que poderia ser uma aventura legal ganha de presente um desfecho na linha de Mulher-Maravilha (2017), uma luta cheia de encheção de linguiça contra mais uma monstruosidade de CGI. De repente, os heróis começam a enfrentar mortos-vivos e tem até o grande raio maligno disparado na direção do céu. É como se tivéssemos voltado no tempo: os cineastas e executivos da Warner/DC não aprendem…

No entanto, até lá Dwayne Johnson sai no braço contra um oponente que é praticamente o diabo. O príncipe das trevas é fichinha perto dele, embora a presença do astro seja puramente carismática. Johnson até já demonstrou algumas boas atuações aqui e ali, mas em Adão Negro o que se vê é basicamente uma não-atuação: ele só levita, faz cara de mau e ocasionalmente dá um sorrisinho cínico, e deixa o físico e o figurino fazerem o resto do trabalho.

Ainda assim, é ele quem conduz o filme. Pena que a experiência em si se apoie apenas no carisma de seu astro e um ou outro visual. Adão Negro não chega a ser desastroso, mas poderia ser bem melhor. Mas quem se importa com qualidade, quando vemos uma “Super participação especial” – revelada pelo próprio Johnson antes da estreia, então não é spoiler – na cena pós-créditos? É claro que veremos o Adão Negro de novo, afinal The Rock chegou na DC para ficar. E o que ele quer, ele consegue: é o seu verdadeiro superpoder.