“Retratos Fantasmas” é o tipo de filme que inspira o palavreado mais presunçoso dos críticos puxa-sacos. Procure por palavras-chave como “afeto”, “memória”, “tempo” e derivados. Vamos tentar fugir desses termos neste texto.

Limitemo-nos a dizer, a título de informação, que, em seu mais novo filme, Kleber Mendonça Filho nos conta a própria história familiar, entrelaçando-a ao passado de Recife e de seus velhos cinemas de rua. A narração em primeira pessoa e a presença do diretor em tela servem de fio condutor aos diversos temas que pipocam durante a projeção. Também coloca “Retratos Fantasmas” dentro de uma certa seara do documentário contemporâneo que trabalha a partir de hibridismos e da performatividade – um exemplo fácil: “Elena”, de Petra Costa.

Mas sempre que um diretor se filma em alguma atividade cotidiana, a gente fica pensando (eu, pelo menos, penso) em como deve ser chato isso de preparar a câmera e apontá-la para si, como parece bobo isso de ignorar a objetiva e agir com naturalidade.

Claro que não se empreende esse tipo de tarefa fílmica sem que se tenha um pouco de narcisismo. Percebe-se então que, sobretudo, é preciso tomar em consideração a relação do espectador com KMF e seu cinema (que aqui aparece em diversos trechos, somando à miríade de registros e formatos que formam o filme).

prazer da auto-indulgência

Nesse caso, começamos mal. É preciso admitir: nossa relação, a minha e dele, digo, anda baqueada. O divisor de águas foi mesmo “Bacurau” – que, passada toda a excitação e bafafá, deixou um retrogosto amargo no palato. É que “Bacurau” é menos um filme do que um textão de Facebook (lembra deles?), o tipo de experiência que só pode ser satisfatória se o espectador estiver disposto a concordar com a tese do longa de antemão.

O que tornava o caso ainda mais frustrante, e que se estende ao cinema de Kleber Mendonça Filho como um todo, é que o sujeito sabe filmar: seus floreios carpenterianos, seus zoom-ins setentistas, a atmosfera de thriller barato que o diretor sabe conjugar, tudo isso denota a presença de um sujeito verdadeiramente cinéfilo.

Pena que isso venha embalado por seu bom mocismo de classe média, que leva a rompantes constrangedores como a cena da reunião de condomínio em “O Som ao Redor”. Em se tratando de um projeto em primeira pessoa tão abertamente pessoal como este, claro que seus traços mais irritantes vem à tona. O prazer extraído vai da tolerância do espectador à sua presença estoica em tela.

Não é de se espantar, portanto, que o melhor do filme surja justamente quando o diretor tira o holofote de si: quando se limita a dar voz a Seu Alexandre, por exemplo, falecido projecionista do Art Palácio, ou quando expõe as plantas e o planejamento por trás da construção do mesmo cinema.

Claro, KMF, talvez o cineasta brasileiro de maior reconhecimento internacional atualmente, merece o prazer da auto-indulgência – e, a julgar pelas exclamações de reconhecimento dos espectadores da minha fileira, emitidas sempre que o diretor colocava imagens de seus próprios filmes em tela, pelo menos uma parte do público está disposta a acompanhá-lo em sua jornada.

A estes, resta dizer: bon voyage!