Os encontros e separações de um casal através de um período de 20 anos domina a narrativa de “Amor Até as Cinzas”, enquanto uma China em constante modificação se apresenta no subtexto. Apesar de atrativa a relação entre o enredo principal e o cenário econômico do país asiático, o longa acaba durando mais que o necessário para desenvolver sua história.
“Amor Até as Cinzas” conta com a direção de Jia Zhangke, importante cineasta chinês especializado em retratar os rumos de seu país após a abertura econômica dos anos 1980. Este ainda continua sendo o objetivo de Zhangke neste novo trabalho ao construir uma narrativa em torno de expectativas sobre melhorias para os lados pessoais e financeiros dos personagens deste filme.
O longa apresenta três momentos na vida do casal Qiao (Tao Zhao) e Bin (Fan Liao) em um intervalo de quase 20 anos, começando em 2001, depois indo para 2006 e chegando, finalmente, em 2018. A premissa do roteiro é a união entre os dois personagens através de mudanças de contexto e o embate entre suas ambições. Enquanto que Qiao pretende ir para o interior do país, onde o governo está investindo para ocupar e desenvolver, Bin está confortável com a posição de líder de uma gangue na cidade onde moram.
As coisas se modificam quando os dois são presos por porte ilegal de uma arma usada por Qiao durante uma briga de rua que quase tira a vida de Bin. Cinco anos se passam e ela parte em busca dele, que saiu um ano antes e não visitou Qiao. A cada período vivido pelos dois, chama a atenção o ambiente em que cada um está inserido, sempre alterando as expectativas em torno do reencontro.
“Amor Até as Cinzas” é eficiente na sua condução: Jia Zhangke investe bastante em planos longos e em uma montagem fluida que ressalta bem a troca de época sem ter que recorrer a intertítulos. Salta aos olhos cenas onde câmera e atores conseguem traduzir todo o peso emocional necessário em apenas um plano. Isso fica claro na parte em que ambos estão em um quarto de hotel e começam a discutir a relação. Esta cena é executada em um único plano, utilizando o zoom em alguns momentos para recortar um personagem e dar tempo para ele refletir e lidar com o que está acontecendo.
Também destacam-se os atores Tao Zhao e Fan Liao que dão vida a Qiao e Bin, respectivamente. Ambos compõem os personagens em um estilo calmo e monocromático, explicitando a relação quase simbiótica entre os dois. Sendo um filme construído ao redor de um romance, Zhao e Liao conseguem trazer toda uma química para seus papéis, tornando verídico o casal que representam e, portanto, fazendo com que o público se preocupe com os rumos de Qiao e Bin.
DESEQUILÍBRIO ENTRE OS ATOS
Apesar destes pontos, “Amor Até as Cinzas” encontra alguns obstáculos que não consegue ultrapassar, sendo o principal a duração dos atos. Dos três momentos na história do casal, o segundo é o que ocupa mais tempo de tela, estendendo-se além do necessário. São diversas as cenas onde o espectador vê Qiao andando em uma cidade que não conhece sem que aja o mínimo de interesse de se ver isso.
Este segundo ato até alcança um certo desenvolvimento para a personagem através de sua atitude em querer viver agora como parte de uma gangue. No entanto, o capítulo vai de longos minutos de Qiao esperando em um saguão de hotel para dar um golpe em algum desavisado até a aparição de um óvni nos momentos finais. Enfim, são situações que poderiam ser reduzidas para dar mais ênfase nas ações do período seguinte que, além de serem bastante interessantes, é o mais curto, dando a impressão de ser mais corrido para encerrar logo a película.
“Amor Até as Cinzas” poderia ir além do que entrega, caso apresentasse um final mais elaborado e diminuindo seu tempo de duração. Com boas atuações e um ótimo trabalho visual e de direção, Jia Zhangke traz um retrato interessante sobre a China e sua experiência com o “socialismo de mercado”. Expondo as mudanças que esta visão de mundo trouxe para aquele país, o diretor chinês entrega mais uma crônica sobre a China do século XXI.
Eu realmente espero que essa não tenha sido apenas uma opinião baseada em conceitos ocidentais hollywoodianos, e o que quero dizer em outras palavras: uma analise critica rasa e medíocre. Este é um filme intenso a sua maneira e devo discordar profundamente em alguns pontos. Obviamente que vinte anos de um romance, altos e baixos se desenrolariam, incluindo sobre ao ritmo de como a trama é contada. Isso faz parte da própria linha de sentido existencial. Quem mais poderia ter a mesma sagacidade dos vinte anos aos sessenta? Mostrar isso de forma visual é primoroso e encantador para aqueles que conseguem descobrir as diferentes nuances pelos detalhes. Talvez pela pressa dos relacionamentos intensos mas efêmeros que se tornam cada vez mais comuns no mundo ocidental, esse tipo de visão apenas deixa transparecer como somos um pouco tediosos e pouco interessantes, porém capazes de medir um povo e sua cultura, além da forma como se relacionam através da nossa própria experiência pessoal, emocional e sensorial. Sobre o filme, realmente eu o recomendo muito.