Galã charmoso dos moldes da Hollywood nos anos 1950, George Clooney construiu gradualmente uma trajetória para além deste rótulo. Depois de aprender com o fracasso de “Batman & Robin”, ele começou a selecionar melhor os projetos em que se meteria – até venceu o Oscar por “Syriana” -, conseguiu formar um grupo de amigos e parceiros de trabalho do primeiro time de Hollywood como Steven Soderbergh, Matt Damon, Julia Roberts, Brad Pitt e se arriscou na direção com obras acima da média como os bons “Confissões de uma Mente Perigosa” e “Tudo Pelo Poder” e o excelente “Boa Noite, Boa Sorte”, pelo qual foi indicado ao prêmio da Academia. Para completar, tornou-se um importante ativista político com gente, inclusive, apostando que ele poderá concorrer à Casa Branca no futuro.
Clooney, entretanto, demonstra uma estagnação preocupante nos trabalhos mais recentes. Se o último papel digno de nota como ator foi em “Os Descendentes”, em 2011, o astro não acerta um filme na direção desde “Tudo Pelo Poder”, também há nove anos. “Caçadores de Obras-Primas” é uma comédia nada engraçada (ou seria uma aventura sonolenta?), enquanto “Suburbicon” não se encontra nem como suspense, drama muito menos comédia. Agora, em “O Céu da Meia-Noite”, disponível na Netflix, ele se arrisca na ficção científica e, novamente, fica longe de convencer. A produção pode ter todas as melhores intenções temáticas e na diversidade do elenco, porém, cai em todos os clichês possíveis e mostra o diretor desconfortável dentro de uma abordagem da qual não se mostra hábil suficiente para desenvolver.
“O Céu da Meia-Noite” inicia três semanas após uma catástrofe modificar os rumos e a vida no planeta. Sozinho em uma base localizada no Polo Norte e necessitando de constantes transfusões de sangue, Augustine (Clooney) tem a vida modificada com a chegada de uma garotinha chamada Iris (Caoilinn Springall) enquanto descobrimos o passado dele. Paralelo a isso, conhecemos uma nave espacial com a tripulação voltando à Terra após uma jornada rumo a um satélite de Júpiter capaz de nos abrigar.
ROTEIRO CHEGA NO LIMITE DO RISÍVEL
Ficção científica não chega a ser novidade na carreira de George Clooney: como ator, ele protagonizou a versão americana de Steven Soderbergh do clássico “Solaris” (alguém lembra?) e o oscarizado “Gravidade”, de Alfonso Cuáron. Estas duas influências são perceptíveis em “O Céu da Meia-Noite” ao resgatar o tom filosófico e humanista de ritmo mais cadenciado do primeiro filme, enquanto se utiliza do modo de filmagem para capturar a experiência espacial do segundo.
Baseado no livro “Good Morning, Midnight”, de Lily Brooks-Dalton, o roteiro de Mark L. Smith (“O Regresso”) fica sempre na superfície sem capacidade de aprofundar os dilemas existenciais pretendidos pelo filme e destoa do que Clooney pretendia. Se o diretor se esforça na ambientação de uma atmosfera melancólica marcada por muito silêncio e solidão e uma atuação carregada de sofrimento, Smith caminha para um sentimentalismo marcado por clichês e sem a menor sutileza para todos os lados. As conexões entre os personagens ou são forçadas ao extremo (o que é a batalha da ervilha e Augustine perdido na neve?) ou são de uma frieza absoluta (falta química total entre David Oyelowo e Felicity Jones, por exemplo).
Todo o flashback envolvendo Augustine e o mistério em relação à identidade de Iris são construídos de maneira tão pobre e previsível que chegam ao limite do risível por querer forçar um choro em uma trama incapaz de emocionar. Já atores como Kyle Chandler, Oyelowo e Demián Bichir são desperdiçados pela incapacidade do roteiro em dar o mínimo de material para que possam desenvolver personagens minimamente aceitáveis – chega a 1h de filme e quase nada ter de interessante em relação a eles. Já Felicity Jones, convence mais pela raridade de ver uma mulher grávida assumindo uma posição de liderança em uma ficção científica e até pelo fato de atuar sem qualquer tipo de maquiagem (algo raro em Hollywood) do que necessariamente pelo que é oferecida a ela.
Lutando contra este roteiro pobre, George Clooney até se mostra capaz de criar um universo melancólico em que se sente a falta da conexão humana, mas, nada traz de novo à ficção científica. A filosofia pretendida está anos-luz de Andrei Tarkovski, a ambientação na nave parece um arremedo de Ridley Scott em “Alien” e as flutuações da câmera como se estivesse também sem a gravidade do espaço sideral apenas apresentam mais do mesmo já feito por Alfonso Cuáron. Complicado fica mesmo ao querer adotar uma postura mais sentimental, como o roteiro de Smith tenta à la Spielberg dos piores exemplares, mas Clooney não consegue imprimir este estilo. Neste déjà-vu constante, somente Martin Ruhe obtém um destaque maior na direção de arte com a concepção da nave e o interior dela remeter a uma flor e galhos de árvores, simbólicos sobre a mensagem ambiental que “O Céu da Meia-Noite” busca passar.
Com “O Céu da Meia-Noite”, George Clooney deixa mais um rastro de decepção para um diretor que surgiu tão promissor. Por mais importante que seja o engajamento político/social/ambiental e o olhar atento à necessidade de diversidade em Hollywood, nada adiantará se não conseguir aliar isso a um bom cinema com um roteiro minimamente desenvolvido e uma visão particular do tema para alguém que já demonstrou esta capacidade. Caso contrário, restará apenas o charme, a elegância e os bons contatos habituais, ainda que tudo soe cada vez mais desinteressante.