Conheci a história de Ângela Diniz no podcast “Praia dos Ossos”. Chamou minha atenção não apenas o tema, mas a maneira como a Rádio Novelo construiu a narrativa ao oferecer a Ângela uma versão da história, diferente da tomada como absoluta pelo patriarcal sistema judiciário brasileiro. Não posso dizer o mesmo da cinebiografia escrita por Duda de Almeida e dirigida por Hugo Prata (“Elis”). 

“Angela” se debruça em mostrar como surgiu o relacionamento da socialite mineira Ângela (Isis Valverde) com Raul (Gabriel Braga Nunes) e seu desenrolar até chegar ao assassinato da personagem-título. Nesse ínterim, Duda e Prata se perdem naquilo que querem contar ou, na mais medíocre das hipóteses, escolhem um caminho anêmico para retratar este famoso caso de feminicídio. 

A começar que escolhem um recorte esdrúxulo da vida da personagem: a perda da guarda dos filhos e o embarque direto de seu relacionamento com Raul “Doca Street”. O contorno não possibilita que o público compreenda quem são os personagens centrais sem ser a “atração inevitável” que nutrem um pelo outro. Ângela Diniz é tratada de maneira superficial; não é dito, por exemplo, sobre sua relação com a sociedade burguesa mineira, nem como ganhou o apelido de Pantera e se apropriou dele. Tudo passa a sensação de que essas informações já seriam previamente conhecidas pelo público. O que foi vendido como uma cinebiografia, tenta se alicerçar em um relacionamento problemático. 

O olhar sob Ângela  

Um dos pontos baixos de “Angela” é o olhar que depõem sobre sua protagonista. Só a conhecemos como uma mulher que sofre, seja pela perda da custódia dos filhos, por estar longe deles ou por amar um homem que a maltrata. A Ângela de Hugo Prata carrega uma angústia que a aprisiona, algo bem pontuado pela cenografia dos dois primeiros atos que insiste em colocá-la em ambientes fechados. Além disso, a perspectiva que nos é apresentada sobre ela é constantemente a de terceiros, seja por meio de Raul ou Ibrahim (Gustavo Machado).  

Não a vemos por completo, não conhecemos Ângela o suficiente para que se crie empatia pela personagem; a montagem não possibilita isso, uma vez que as cenas são curtas e com elipses que tiram a fluidez da narrativa. Algumas sequências, por exemplo, ficam soltas no decorrer da projeção, como o encontro dela com os filhos e a mãe na igreja. O curioso, neste momento em especial, é a tentativa frustrada de uma ligação entre a protagonista e as personagens femininas, a colocando em posição de companheirismo e de uma mulher experiente disposta a orientar as outras.  

No diálogo com os filhos, por exemplo, sua conversa é exclusiva com a filha. A preocupação com Toia (Bianca Bin) e a conexão que tem com a empregada (Alice Carvalho) também atestam isso. No entanto, é mais algo embrionário do que marcante na trama apresentada, considerando ainda que Ângela era uma mulher bissexual – algo totalmente esquecido nesse filme – e que esse, segundo as investigações, foi um dos motivos de ter levado Doca a assassiná-la. 

“Isso é o que você quer ou o que eu quero?” 

Prata e Duda resumem, contudo, a protagonista ao estereótipo de mãe e a objetificação. O que a move é a vontade de estar com os filhos; quando compra a casa na Praia dos Ossos, o primeiro impulso é aumentá-la para abrigar as crianças e, sempre que entram no diálogo, a personagem se transforma e perde o brilho e a altivez que conquistou em busca por liberdade. Como se a maternidade fosse seu objetivo e o propulsor da personagem, sendo que o recorte abordado pela dupla é o relacionamento com seu agressor.  

A sensação que passa é a de que não se sabia muito bem quais rumos dar a história, visto que o relacionamento deles é algo muito corpóreo e sensual, mas pouco aprofundado. O que atraiu e uniu os dois? Gosto de uma frase de Ângela no início da projeção ao indagar Raul se “isso é o que você quer ou o que eu quero?” – talvez se esta fosse a aposta firme da projeção, o filme pudesse ter uma construção mais consistente. 

Há uma perspectiva rasa de quem é Ângela, do seu relacionamento com Raul e, posteriormente, da organização do caso assassinato, principalmente por estar muito retalhada a montagem da produção. Isso deixa a sensação de se tratar de uma minissérie transformada em filme, como a Globo costuma fazer no período após as festas de final de ano. Entre os elementos que contribuem para essa percepção estão os diálogos, as cores escolhidas para ambientar os eventos que o casal participa e sua rotina e a mis-en-scene que cria uma atmosfera noveleira. 

Prata tinha uma história controversa e interessante em mãos para criar um filme que, finalmente, pudesse ofertar a Ângela uma perspectiva mais condizente do que a que emoldurou os jornais e o tribunal na época de seu assassinato. Escolheu, entretanto, um caminho menos arriscado que lhe rendeu um filme superficial, anêmico e que não consegue aproveitar o que há de mais rico no material ofertado, nem mesmo o talentoso elenco.  

Se você quiser se aprofundar neste caso, ouça o podcast da Rádio Novelo; aí sim você conhecerá quem foi Ângela Diniz.