Seis anos separam “La La Land” de “Babilônia”, dois filmes sobre Hollywood dirigidos por Damien Chazelle. Com então 32 anos, o cineasta de Rhode Island orquestrou um sonho colorido e mágico, de personagens incrivelmente lindos em uma cidade solar. Todos cantavam, dançavam ou assobiavam “City of Stars, Are you shining Just For Me?” do lado de lá e de cá da tela. Os problemas de Mia e Sebastian nem era tão problemáticos assim; tudo se resolvia como um passe de mágica, ou melhor, um passo de dança. 

O tempo passou, lidamos com gente do naipe de Trump, Bolsonaro, Putin e ainda uma pandemia. Hollywood encarou processos traumáticos como as quedas de Harvey Weinstein e Kevin Spacey, além de cobranças por maior diversidade e uma crise da própria sala de cinema. O mundo de arco-íris de “La La Land” não cabe mais nesta nova realidade – talvez, nem coubesse naquela, mas, quem manda ser um escapismo delicioso? Sendo assim, Chazelle adota um olhar mais analítico e crítico – ainda que igualmente apaixonado – sobre o mundo do cinema em “Babilônia”. A questão é que, ao se estar no ‘auge’ dos 38 anos, nem sempre você consegue ser tão original quanto a sua pretensão pensa ser. 

Estamos nos anos 1920 em um período em que Los Angeles se tornou uma terra de forasteiros e sonhadores vindos de todas as partes do mundo no intuito de fazer cinema, uma atração com pouco mais de 30 anos de existência e definindo sobre qual espaço ocupar na sociedade – um entretenimento banal ou uma arte? No meio da loucura e da transição do cinema silencioso para o falado, quatro personagens nos guiam em “Babilônia”: a jovem e linda atriz Nellie LaRoy (Margot Robbie), o mexicano faz-tudo Manny (Diego Calva), o astro Jack Conrad (Brad Pitt) e o músico negro Sidney Palmer (Jovan Adepo). 

NADA NOVO NO FRONT 

Na categoria ‘filmes sobre cinema’, Damien Chazelle tinha um desafio brutal: afinal, como trazer algo realmente novo para o debate quando a concorrência inclui “Crepúsculo dos Deuses”, “A Malvada”, “Cantando na Chuva”, “A Rosa Púrpura do Cairo” e “O Jogador”? (Isso só para ficar em Hollywood, foco da análise do filme). Se a ambição nunca foi problema do ganhador mais jovem da história do Oscar de Melhor Direção, fica claro que falta uma visão realmente original para além do já abordado.  

Pode-se dizer que o dispositivo de se basear em cânones está presente em “La La Land”, mas, ali funcionava pelo tom leve e despretensioso, diferente de “Babilônia” em que o escopo proposto faz tudo se tornar um extenso déjà vu vazio. Todo o arco envolvendo Jack Conrad não diferente muito da inesquecível Norma Desmond, enquanto a inadaptação das estrelas da era do cinema silencioso para o falado foi mais graciosamente abordado no clássico com Gene Kelly e até no recente “O Artista”. O embate sobre a popularização versus a elitização do cinema e a dificuldade em ser visto como uma expressão artística estão ali mais como uma aula histórica do que uma visão ou interpretação realmente própria, sobrando didatismo – a exceção fica pela ousada decisão de apostar no animalesco do ser humano através de vômitos, mijos e merdas para ilustrar o outro lado do glamour tão exaltado da Sétima Arte. 

Quando tenta trazer temáticas contemporâneas como a situação dos negros, asiáticos e mulheres na indústria do cinema, Chazelle não se mostra à vontade. Fica nítido como “Babilônia” está mais interessado nas turbulências dos personagens de Robbie e Pitt, enquanto resta a Manny toda a paixão e carinho por Nellie. Quanto a Sidney Palmer e Lady Fay Zhu (Li Jun Li), vão e vem na trama com momentos realmente muito bons, mas, ficam sempre pelo meio do caminho e escondidos no meio do caos. 

HEDONISMO EM FORMA DE BRILHANTISMO TÉCNICO 

Se o Damien Chazelle roteirista soa atrasado na discussão sobre o cinema, o Chazelle diretor está simplesmente fantástico. “Babilônia” demonstra a habilidade dele em reger execuções técnicas desafiadoras com brilhantismo. E quem já se impressionou com ‘Whiplash”, “La La Land” e “O Primeiro Homem”, esqueça: aqui, estamos em outro patamar.  

Não demora nem 15 minutos para estarmos envolvidos no hedonismo digno de “O Grande Gatsby” a partir de um plano-sequência que começa no segundo andar, salta para o térreo onde centenas de pessoas dançam, transam, andam para todos os lados, confetes e fitas caem para todos os lados, e ações importantes acontecem por todos os lados.  

Daí em diante, ele enfileira uma sequência mais envolvente do que a outra como toda a loucura dos bastidores nos anos 1920, a insana gravação de uma cena nos primeiros filmes com som e o mergulho no Inferno de Dante em Los Angeles. Na era do cinema com CGI, ver “Babilônia” com centenas de figurantes, uma orquestra no meio do deserto, movimentação de câmera absurda com atores gritando sob o comando de Chazelle deixa qualquer cinéfilo boquiaberto de como aquilo chegou às telas com tamanha precisão.  

Como um grande espetáculo hollywoodiano, “Babilônia” não poderia ser menos que também brilhante em cada área seja na fotografia de Linus Sandgren, na direção de arte de Eric Sundahl, figurinos de Mary Zophres e, acima de tudo, a trilha de Justin Hurwitz. No fim das contas, a cena final sintetiza a experiência muito bem: alongada e exagerada, não tão profunda ou reflexiva quanto pretende ser, mas, orquestrada de forma impecável por alguém extremamente ambicioso e apaixonado pelo cinema.