É até um pouco inadequado chamar Benediction de cinebiografia, porque neste filme o veterano diretor inglês Terence Davies – realizador de obras intimistas e maduras como O Fim de Um Longo Dia (1992), A Essência da Paixão (2000) e Amor Profundo (2011) – não está interessado em seguir o passo-a-passo tradicional de contar a vida do seu biografado, do jeito como geralmente vemos no cinema. Seu maior interesse é criar um retrato interior, poético, da pessoa real na qual se baseia o filme.

Apropriado, visto que se trata da história de um poeta. Siegfried Sassoon (1886-1967) ficou conhecido pelas poesias que escreveu no contexto histórico da Primeira Guerra Mundial, onde serviu. Ele presenciou o horror do conflito, foi ferido e, mais tarde, passou a ser um opositor consciente da guerra, o que quase o levou a ser preso. Era também homossexual e teve casos com nomes famosos do alto círculo cultural da Inglaterra da sua época. Mas nunca superou o que viveu na guerra e, no fim da vida, tornou-se um católico fervoroso.

Tudo isso está no filme de Davies, mas não da maneira tradicional. O diretor usa imagens de arquivo para cobrir os momentos da guerra – algumas são bem fortes – e salta no tempo frequentemente. Em um filme cheio de belas transições, a mais impactante ocorre dentro de uma igreja, na qual vemos o jovem Sassoon (interpretado por Jack Lowden, que no filme está bem parecido com um jovem Dirk Bogarde, ele próprio um ator gay e ícone das telas) se transformar na sua velha encarnação (quando passa a ser vivido por Peter Capaldi).

JEREMY IRVINE BRILHA

É também um filme no qual a técnica do diretor, direta e clássica, contribui bastante para a experiência. Os enquadramentos precisos, a movimentação dos atores no quadro, a encenação, tudo deixa Benediction com ar de filme antigo, só agora descoberto. O estilo direto e seco, típico do cinema britânico, dá ainda mais força a momentos nos quais Davies torna seu longa mais abstrato.

Isso fica claro quando Sassoon imagina ser ferido por um tiro e a paisagem ao seu redor muda, ou em um momento em que um mergulho no espelho resume de certa maneira todo o futuro do protagonista, forçado a viver uma vida pela metade por precisar se adequar ao “padrão normal” da sociedade – apesar de homossexual, a certa altura da vida, Sasson se casou com uma mulher – no filme, a adorável Kate Phillips – e constituiu família. Essas abstrações poderiam deixar o filme afetado, mas não o fazem, principalmente porque a condução é tão precisa no resto do tempo.

Lowden está fantástico como o jovem Sassoon, criando uma composição carismática. Em sua interpretação, o poeta desperta empatia junto ao espectador sem nunca perder de vista o ar trágico do protagonista. E dentre os vários casos do poeta, destaca-se o famoso Ivor Novello, que estrelou o clássico de Alfred Hitchcock O Inquilino (1927). A interpretação de Jeremy Irvine como Novello quase ameaça roubar o filme em alguns momentos: volúvel e temperamental, é quase o oposto da atuação contida de Lowden. Já Capaldi não tem tantas chances de brilhar. Ele não parece com Lowden nem tenta reproduzir seus maneirismos. Mas ainda assim tem bons momentos dentro do filme.

POESIA VISUAL

Ainda assim, é a versão idosa de Sassoon que abre um interessante questionamento, perto do fim do longa: a obra dele valeu a pena, vai ser lembrada? Parece ser um tema caro ao diretor, e Benediction acaba sendo um filme bem no estilo Terence Davies: triste, reflexivo e contado com beleza e a restrição emocional típica dos britânicos – que paradoxalmente, acaba deixando alguns momentos bem emotivos.

O filme até tem sua dose de problemas: a conversão para o catolicismo não é tão explorada quanto poderia ser e, ao menos, um personagem importante acaba aparecendo do nada na história. Talvez em alguns segmentos, uma abordagem mais tradicional pudesse ser indicada…

Mas é difícil não sentir o encanto de Benediction, graças às atuações ou à arte e ao capricho com que foi feito, ou à poesia de Siegfried Sassoon, ouvida em diversas vezes durante a obra. Poesia visual é sempre um conceito relativo no cinema, mas aqui se pode dizer que ela é alcançada em alguns momentos. Um belo filme.