“Grupo de pessoas vai a um local isolado e…”

Bem, geralmente são filmes de terror que começam com uma premissa assim, não é? O Menu, do diretor Mark Mylod, não deixa de ser um terror, mas sua maior qualidade é a de promover uma mistura, que o torna um prato elaborado, para pegar emprestada a metáfora culinária da história. Além de terror, é também uma comédia sinistra, uma sátira sobre o processo de criação artística e uma obra que se delicia em fazer gente do 1% da sociedade se dar mal.

É também um tipo de filme um pouco difícil de encontrar hoje em dia, aquele que quando começa, você não tem a menor ideia de para onde ele vai. Por causa disso, quanto menos o espectador souber sobre ele antes de vê-lo, melhor.

Basta dizer que o grupo de pessoas lá da premissa do início é composto pelos convidados que pagaram para ter uma experiência única, um jantar preparado pelo grande chef Julian Slowik (Ralph Fiennes), e que será servido numa ilha deserta. Temos o casal ricaço, o ator que já viveu dias melhores na carreira, a crítica culinária mordaz e pretensiosa, três rapazes investidores cheios da grana e um jovem casal: o rapaz (Nicholas Hoult) é fã absoluto do chef; a moça (Anya Taylor-Joy) não se impressiona tão facilmente. Os pratos servidos são estranhos – um deles parece uma pedra – e ao longo da noite, surpresas acontecerão.

ELENCO PRIMOROSO

O Menu é a estreia do britânico Mylod no cinema: antes ele comandou séries de TV, incluindo episódios marcantes de Game of Thrones e Succession para a HBO. Ele traz um pouco da veia afiada e satírica desta última para o filme e a alia com uma condução segura do suspense, além de uma direção precisa dos atores. É o tipo de filme que depende do elenco para funcionar e, felizmente, aqui Mylod e seus atores acertam.

Destacam-se, claro, os nomes com os melhores papéis – afinal, por melhor que seja o roteiro, não dá para desenvolver todo mundo. Hoult é perfeito como o fanboy babaca e, depois da pandemia e da cultura de adoração a figuras como Elon Musk, suas reações ao longo da trama não parecem tão absurdas. Fiennes é gelado, mas dotado de uma estranha humanidade; ele é o vilão, mas parece justificado em suas atitudes. Suas batidas de palmas perturbam o espectador e os personagens, e a devoção da sua equipe – com seus gritos militares – rende risos nervosos e tensão para a história.

E Taylor-Joy atua de igual para igual com todos: em mais um ótimo desempenho, a atriz rouba o filme trazendo imprevisibilidade e sex appeal. Outra figura que merece destaque é a divertida Hong Chau como a maitre d’ e braço direito do chef Julian: sempre escondendo hostilidade por trás do sorriso cordial.

A experiência ainda é complementada pelo design de produção chic e inteligente de Ethan Tobman e pelo trabalho de fotografia do veterano Peter Deming: ambos vão transformando aos poucos o restaurante onde se passa a história numa antessala do inferno.

Finalmente, a sátira afiada de O Menu atinge pelos subtextos presentes dentro da trama: as várias formas como o dinheiro corrompe a arte, o papel desta última numa sociedade indiferente e regida pelo consumo e pela imediata satisfação deste, e também o papel da crítica de arte. E o filme faz tudo isso misturando vários sabores: comédia, suspense, absurdo. No fim das contas, ele não diz nada de muito novo – muita riqueza corrompe as pessoas – e há alguns ecos em O Menu da historieta da abertura do já clássico Relatos Selvagens (2014).

Porém, mesmo assim, O Menu é uma refeição criativa e com um sabor próprio e perverso. Vale a pena experimentar.