Filmes biográficos têm as suas romantizações e superficialidades para sustentar o drama. Há um modelo muito bem definido nesse gênero cinematográfico. Porém, para cada filme dos astros e estrelas mainstream cada vez mais dominando as telonas (ou as telinhas), há outros tantos que narram histórias de atletas ou pessoas desconhecidas do grande público que tem uma história estarrecedora. Nestes dois últimos casos, há um ponto em comum: superação. 

Cinebiografias de superação com altas doses de drama, insalubridade e repressão tem a sua receita básica e as “As Nadadoras” novo dramalhão da Netflix não decepciona nesse quesito… Até a página dois. 

PRIMEIRO ATO EXEMPLAR 

Baseado em fatos reais, “As Nadadoras” conta a saga de superação das irmãs Yusra Mardini (Nathalie Issa) e Sara Mardini (Manal Issa), profissionais da natação em ascensão que veem seus sonhos de competirem nas Olimpíadas do Rio (2016) esvair com a guerra na Síria. Jovens, cheias de sonhos e energia, elas continuam levando suas vidas mesmo com o clima caótico que as cerca. 

A primeira hora/ato do filme, de fato, é angustiante/fascinante. Enquanto treinam e tentam seguir em frente, Damasco se acaba em ruínas. Interessante como a diretora Sally El Hosaini usa desses contrapontos: há uma cena fantástica quando elas estão se divertindo em uma boate com amigos ao som de “Titanium” (David Guetta feat. Sia) e, ao fundo, a guerra explodindo com muitos bombardeiros. Ou quando Yusra está competindo e uma bomba cai na piscina em que ela nada.  

A linguagem aqui é clara: as vidas continuam ao meio bárbaro em que vivem mesmo em estado de calamidade; há vida, mas até quando? Até quando o povo continua a tapar o sol com a peneira e tenta viver em clima hostil com militares tomando a rua e abusando do poder? A contragosto do pai e treinador, as meninas decidem ir embora como imigrantes ilegais para a Alemanha. 

Ainda nesse ótimo primeiro ato, elas juntamente com seu primo, Nizar (Ahmed Malek) e outros companheiros de jornada em luta de um futuro melhor são enganados pelos traficantes e ficam à deriva em meio ao oceano em um bote superlotado. A solução? AS duas enfrentam a nado até chegar a uma parte da Itália. A nado por horas e segurando um bote! Só por isso já mereciam todos os holofotes possíveis. 

WHITE SAVIOR? DE NOVO? 

Mas eis que chega o segundo ato quando já estabelecidas enquanto refugiadas elas conseguem uma oportunidade com o treinador alemão Sven (Matthias Schweighofer), Hosaini cai no velho dilema foi forte das produções de grandes estúdios: o white savior. 

Logicamente que baseado em fatos, “As Nadadoras” tem sua liberdade criativa. Mas, percebam quantas cinebiografias especialmente quando se tem pessoas não caucasianas no centro, não existe um branco salvador que vê potencial e incentiva? É como suas potencialidades não existissem até um branco enxergar.  

No caso das irmãs, só por elas terem salvado vidas já poderiam ser exaltadas, mas, não: é preciso que um branco as veja e confirme para que os outros tantos acreditem em seu potencial. Desta forma, “As Nadadoras” quebra seu ritmo, transformando uma história com potencial em um drama de superação e desafios. Como se nadar quilômetros presas a um bote fosse um desafio de nado de 100 m rasos. 

Nas entrelinhas, Hosaini imprime uma versão coming of age dessas duas irmãs que, além de serem duas heroínas, tem que crescer a custo de luta por sua sobrevivência e as dos demais. A relação de cumplicidade entre as irmãs Mardini é um ponto fundamental na construção narrativa do filme. Quando se perdem uma da outra, por exemplo, não há como não se estarrecer com a conexão forte entre as duas. Duas meninas, em local desconhecido que precisam lidar com pessoas, clima, fome até o grande momento em que Yusra compente nas Olimpíadas no time dos refugiados. 

No mais, “As Nadadoras” é um filme interessante mesmo com umas decisões descabidas, como a trilha sonora inserida em momentos inoportunos ou o Rio de Janeiro em CGI que mais parece uma praia de Porto Rico.