O episódio desta semana de Better Call Saul começa com um flashback, nos mostrando um incidente com Kim na sua infância. Ela é pega roubando numa loja, sua mãe aparece – uma atriz que impressiona pela semelhança com Rhea Seehorn, mais um acerto da escalação de elenco – ela leva um sermão, fica nervosa com o ocorrido, mas no fim das contas acaba conseguindo o objeto que pretendia roubar. Sua mãe comemora: “Você se safou!”. Mas de algum modo, apenas se safar não deixa a jovem Kim feliz.

Já tínhamos visto um flashback com a jovem Kim antes, uma cena na qual ela carregava um pesado violoncelo por quilômetros no meio da noite, só para não aceitar a carona da sua mãe embriagada e atrasada. Força de vontade sempre definiu a personagem, e vimos vários exemplos do seu esforço ao longo da série, esforço este que sempre teve boas intenções: subir na firma de advocacia, conquistar o grande cliente Mesa Verde, atender a clientes pro bono.

O aspecto mais interessante desse começo de episódio, intitulado “Axe and Grind”, é que ele fornece uma pista, mas não chega a explicar ou definir a personagem. Não há psicologismos ou clichês, a série é inteligente demais para isso. Ainda assim, são pequenos incidentes como este que, nas nossas vidas, muitas vezes acabam definindo nossas personalidades e quem somos. Ali há o germe do seu ressentimento contra Howard, contra o sujeito que lhe sabotou devido à associação dela com Jimmy. E este acabou sendo seu catalisador: É como se os pequenos golpes que fizeram juntos acabaram, ao longo do tempo, liberando o lado mau (ou seria o verdadeiro?) da personalidade de Kim. Breaking Bad era a história de um homem que liberava seu lado mau, e aos poucos esse conceito se confundia com a própria essência do Walter White. Tem acontecido a mesma coisa com Kim em Better Call Saul.

“Axe and Grind” é dirigido por Giancarlo Esposito, dirigindo seu primeiro episódio para a série. Ao contrário do trabalho de Rhea Seehorn, que dirigiu o quarto episódio que era amalucado e agitado, a condução de Esposito aqui é mais tranquila. É um episódio com uma tensão estranha, mas também forte. Vemos pedaços do futuro golpe final de Jimmy e Kim contra Howard, que inclui um sósia de um juiz e uma droga administrada pelo nosso conhecido e sinistro veterinário dr. Caldera, que retorna e neste episódio faz a promessa de deixar a vida de crime em breve.

A propósito, ele mostra uma cadernetinha em código com contatos de outros criminosos, e um cartão do conserto de aspiradores de pó que, lá para frente, possibilitará a fuga de Walter e do próprio Jimmy/Saul. Essa caderneta deve acabar nas mãos do nosso advogado criminoso…

É também um episódio com uma bela e emotiva cena entre Mike e sua sobrinha, à distância. E há ainda um momento de humor impagável envolvendo a nova decoração do escritório de Saul, feita por Francesca, e um dos seus clientes que precisa usar um banheiro. E vemos também Lalo na Alemanha – uma paleta de cores fria e azulada é algo muito esquisito em Better Call Saul – interrogando um dos homens que trabalhou na construção de Gus. É um episódio que alterna tensão e humor, e que só nos dá o suficiente para nos manter adivinhando o que vai acontecer a seguir.

A série, no momento, pertence a dois personagens muito determinados: Lalo e Kim. Cada um a seu modo está em busca de algo e não se deterão por nada para alcançá-lo. A diferença entre eles é que Lalo é mau e bandido praticamente desde que nasceu, e Kim está deixando esse lado seu aflorar. Quando surge uma chance de voltar a fazer o bem, ela a deixa passar para que o golpe contra Howard prossiga.

Numa nota pessoal, nunca imaginei, quando a série começou, que um dia ficaria com pena de Howard, ou temendo pelo seu destino. O episódio termina prometendo o inferno para o seguinte. Mesmo assim, aprendemos ao longo tanto de Breaking Bad quanto de Better Call Saul que fazer o mal, ou o bem, sempre traz consequências.