Nem todo mundo lembra, hoje, mas Black Mirror, a série antológica de ficção científica criada por Charlie Brooker que lida com as tensões modernas em torno da tecnologia e o futuro, começou em 2011 como uma produção humilde e de orçamento pequeno da emissora britânica Channel 4. Os primeiros episódios, porém, chamaram tanta atenção que, em 2015, a Netflix comprou os direitos da produção e transformou a série em fenômeno mundial.

A produção ficou mais caprichada, astros hollywoodianos começaram a aparecer e com um verniz mais impressionante, sem perder a mão ou sua capacidade de, muitas vezes, perturbar o espectador – e ocasionalmente, emocioná-lo.

E assim foi por um bom tempo. Porém, uma tendência comum se observou na quinta temporada: aconteceu com Black Mirror o que geralmente acontece com uma série que dura tempo demais, começou a perder o fôlego. E o toque da Netflix começou a se fazer sentir de modo mais forte: os episódios ficaram mais pop e mais rasos.

Por isso, essa sexta temporada, recém-adicionada ao catálogo do streaming, parece tentar promover uma espécie de volta às origens, como se Brooker e sua equipe tivessem ouvido algumas críticas e repensado a abordagem. Funcionou… E não. Esta temporada 6 é um avanço em relação a anterior, mas a série segue distante da qualidade dos seus primeiros anos, ou das primeiras temporadas na Netflix.

Aliás, o próprio streaming onde a série é exibida recebe uns tapas (com luvas de pelica) no primeiro episódio da nova leva, “Joan is Awful” (A Joan é Terrível). É justamente o mais fraco da temporada, apesar da ideia engenhosa: uma mulher comum chamada Joan (Annie Murphy) cujo atributo mais destacado parecem ser as mechas em seu cabelo, descobre que o maior streaming do mundo, o Streamberry, criou uma série trash baseada nela, e que exibe seu comportamento para todo mundo ver. E a Joan da série é vivida pela atriz Salma Hayek.

O que parece uma visão ácida sobre a Netflix e seu algoritmo – que é zoado – se transforma em uma trama boba que se resolve de modo fácil demais. Quem dera fosse tão fácil assim se livrar da influência de um algoritmo que determina de modo poderoso o que as pessoas acabam vendo…

Depois temos “Loch Henry”, o melhor desta nova leva, que mostra um casal de jovens cineastas voltando a uma comunidade na Escócia e se deparando com o caso de um assassino em série que agiu na cidade há 25 anos. Quando começam a fazer um documentário sobre o caso, segredos do passado vêm à tona.

As reviravoltas da trama são bem conduzidas e o episódio nunca perde o clima de desastre iminente que parecemos pressentir. Aqui, a tônica é lançar um olhar irônico sobre a onda dos documentários true crime, que, muitas vezes, transformam desgraças reais em entretenimento. O final ácido e sombrio é do tipo que se sente falta na série nas últimas temporadas.

Beyond the Sea” é dirigido por John Crowley, de Brooklyn (2015) e tem como maior atrativo as atuações de Aaron Paul, Josh Hartnett e Kate Mara. É uma história antiga – dois homens e apenas uma mulher – mas que recebe um twist de ficção científica: é 1969, e Paul e Hartnett interpretam dois astronautas em missão no espaço, compartilhando uma conexão remota com corpos robôs que estão na Terra.

Se pensarmos um pouco, a situação não faz muito sentido – não era melhor mandar os robôs para o espaço? – mas o drama humano é bem conduzido, mesmo que o episódio acabe sendo um pouco previsível e, com 1h20, esticado demais.

Apesar da calma na condução e dos valores de produção na tela, este “Beyond the Sea” já introduz uma característica diferente na temporada: dos cinco episódios, três se passam no passado, têm um contexto de época.

O seguinte, “Mazey Day”, sobre uma paparazzi e uma celebridade cuja vida sai do controle, é ambientado no começo dos anos 2000 e praticamente não explora nenhuma temática tecnológica.

De fato, com sua trama que introduz um elemento sobrenatural aos 40 do segundo tempo, parece o menos Black Mirror de todos. Nem os esforços da geralmente ótima Zazie Beetz salvam esse aqui.

O último da temporada, “Demon 79”, também é sobrenatural, mas, ao menos, tem um pouquinho de humor. Ainda assim, é uma trama já manjada de uma moça (Anjana Vasan) com uma vida medíocre que conhece um demônio e precisa cumprir alguns assassinatos para evitar o fim do mundo.

Quem viu alguns filmes de terror na vida, ou alguns episódios de Além da Imaginação ou Arquivo X, sabe como isso aqui vai se desenvolver, e nem mesmo algumas tentativas de relacionar a trama ao contexto da Inglaterra reacionária do final dos anos 1970 conseguem adicionar um pouco de profundidade aqui. Embora até tenha alguns bons momentos, “Demon 79” também não fica entre os melhores esforços da série.

É curioso que a série, nesta temporada, deixe de lado talvez a sua característica mais identificável, e resolva falar, na maior parte dos episódios, do nosso passado e de alguns aspectos da natureza humana, ao invés de explorar alternativas assustadoras para os nossos presente e futuro, o que Black Mirror se notabilizou por fazer.

Essa decisão criativa pode ter tido como objetivo justamente promover aquela volta às origens mencionada antes, mas os resultados medíocres desta temporada 6 sugerem que é melhor avançarmos um pouco no nosso futuro mesmo, que já parece assustador o suficiente, porque Black Mirror parece ter ficado para trás.