É o fim. Acabou-se.

Por seis temporadas, Better Call Saul nunca fez o que o público esperava. Então, não devia ser surpresa quando no episódio final da série, “Saul Gone”, o nosso protagonista é capturado pela polícia logo nos primeiros 10 minutos do episódio. Mas ainda assim é surpreendente. Ser enganado pelas tangentes que essa série sempre tomou é um prazer que fará falta.

Peter Gould, o roteirista-diretor do episódio e criador do personagem Saul Goodman, dirige aqui com a habitual precisão da série, mas trazendo de volta um pouco do humor. E ele nos puxa o tapete de novo alguns momentos depois, quando na presença de Marie Schrader (!) – um grande retorno de Betsy Brandt – e de uma equipe de investigação federal e do Departamento de Narcóticos, Saul novamente surpreende a todos. Ele é encontrado em uma lixeira pela polícia – e a sua trajetória de certa forma começou vasculhando a lixeira dos idosos no caso Sandpiper. Quase como uma barata, Saul sempre sobrevive. A cena dele dizendo aos oficiais e a Marie que fez tudo por medo de Walter White é – mais um – momento primoroso de Bob Odenkirk na série. Palavras não fazem justiça, apenas os sorrisos, risadas e bocas arreganhadas do espectador conseguem ser respostas à altura.

Porém, embora Saul possa ser uma barata, Jimmy não é. Ele é um homem. E o ponto de “Saul Gone” é fazê-lo transformar-se de volta em Jimmy.

Há três cenas a cores no episódio, representando o passado. E todas envolvem a questão do arrependimento. Em flashbacks, Saul conversa com Mike, com Walter e com seu irmão Chuck. Ele pergunta a Mike e a Walter o que fariam se tivessem uma máquina no tempo, se consertariam algo em seus passados. Já Chuck aparece lendo o livro “A Máquina do Tempo” de H. G. Wells. Mike é sensível e honesto em sua resposta; Walter é arrogante e babaca. E Jimmy se mostra superficial. Mas ele não é.

Como se precisássemos de mais uma prova disso, ele muda sua “estratégia legal” ao saber que Kim está encrencada por ter confessado seu envolvimento na morte de Howard à viúva deste. Então, vem mais um momento magistral do episódio com Saul voltando a ser Jimmy. Para pegar uma alusão literária como o episódio faz, é como se o inseto de Kafka voltasse a ser humano diante da juíza que julga seu caso, e de Kim sentada ao fundo da sala. Em dois momentos poderosos da direção, Gould enquadra Rhea Seehorn pelos ferros de uma amurada na sala do tribunal, que a fazem parecer sob a mira de uma arma; depois, Jimmy começa sua transformação com um trágico sinal de “Exit” (saída) sobre a sua cabeça.

E ele conclui dizendo à juíza que seu nome é Jimmy McGill.

Se não é possível realmente voltar no tempo, pelo menos se pode corrigir alguns erros do passado.

“Saul Gone” encerra Better Call Saul do jeito que a série viveu: sempre surpreendente, primando pelo desenvolvimento de personagens e por uma narrativa excepcionalmente bem construída, e nunca seguindo o caminho mais óbvio. A maior característica em comum com Breaking Bad é o senso de tragédia, mas a série do advogado mais trambiqueiro de Albuquerque seguiu seu próprio trajeto.

De certa forma, é o fim de uma era para os seriados – um fim discreto e calculado, como a série sempre foi. Quando Breaking Bad começou em 2008, a TV norte-americana vivia a era dos anti-heróis. Mas desde o fim da série de Walter White, os anti-heróis deram um tempo – até mesmo porque, depois de Breaking Bad, o que mais se pode fazer nessa seara, ao menos por um longo tempo? Aquela série se encerrou com tiros de metralhadora e o clássico do rock “Baby Blue” tocando na trilha sonora. Já Better Call Saul se conclui com quietude.

Ela foi por outro caminho, o do homem comum, capaz de fazer coisas ruins e boas, dependendo da sua natureza e das circunstâncias. Ao longo da série, o homem que era Jimmy McGill se transformou, se reinventou para sobreviver. E sempre conseguiu. Ao final, o mito de Saul Goodman continua forte: detentos cantam seu slogan em voz alta no presídio. Mas Kim, e nós, os espectadores, sabemos quem ele é.

E se ele começa a assar pães no presídio e volta a dividir um cigarro com ela, tudo é possível. Basta sobreviver.

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É isto, pessoal, essa foi a cobertura do Cine Set sobre Better Call Saul. Se este for realmente o fim do universo que Vince Gilligan, Peter Gould e seus incríveis colaboradores e atores criaram ao longo de 14 anos em duas das melhores séries de todos os tempos e no ótimo filme El Camino, não consigo imaginar uma despedida melhor.  Vocês podem ler textos sobre outras temporadas e episódios aqui no site. Foi um prazer cobrir a série semanalmente nessas últimas temporadas, espero que tenham gostado. Até a próxima!