De todos os conceitos esdrúxulos das histórias em quadrinhos de super-heróis – e olha que a lista é grande – o do Homem-Formiga é um dos mais ridículos. Trata-se de um sujeito inventor que cria um traje capaz de fazer com que ele encolha de tamanho. E ele também consegue se comunicar e controlar outras formigas. Ah, e sua esposa era outra super-heroína chamada Vespa. Transpor esse personagem para o cinema é, assim como foi “Guardiões da Galáxia” (2014) um ano atrás, um lance de ousadia que só o Marvel Studios poderia realizar hoje, graças ao cacife acumulado em anos de projetos bem sucedidos.

E a ideia mais inteligente que o estúdio teve ao produzir o filme “Homem-Formiga” foi justamente abraçar a tolice do personagem, fazendo um longa leve e bem-humorado. O resultado final é divertido, dando até a impressão de passar bem rápido. Mas nunca alcança o nível de um “Guardiões da Galáxia” porque seus realizadores são pouco ousados. No fim das contas, o filme do Homem-Formiga não é melhor porque seus criadores, ironicamente, pensam pequeno.

O roteiro do filme faz uso dos dois Homens-Formiga dos quadrinhos: no início, vemos o doutor Hank Pym (vivido por um Michael Douglas rejuvenescido por computação gráfica), o inventor da tecnologia de encolhimento e seu traje. Então há um salto no tempo e passamos a acompanhar o verdadeiro protagonista do longa, o ladrão Scott Lang (Paul Rudd). Na verdade Lang é uma figura tipo Robin Hood, ou seja, mesmo sendo ladrão no fundo é um herói, e que tem má sorte: depois de ser preso, perdeu a esposa, que se casou com um policial, e ao ser libertado ele passa a correr o risco de não poder mais ver a filha. Enquanto isso, o agora envelhecido Pym vê o risco de a sua tecnologia ser usada pelo inescrupuloso Darryl Cross (Corey Stoll), e encontra em Lang um aliado. Junto com sua filha Hope (Evangeline Lilly), Pym passa a treinar Lang para um roubo ousado, e o rapaz acaba se tornando o novo Homem-Formiga.

Neste projeto, a Marvel consegue unir a já tradicional “jornada do herói” com elementos de filme de assalto. Os elementos da jornada do herói, tornados populares por George Lucas em “Star Wars”, são mostrados de maneira muito convencional em Homem-Formiga. O personagem de Michael Douglas vira o mentor e a vilania de Cross é estabelecida de forma tão direta quanto preguiçosa – será que ninguém daria pela falta da pessoa que ele mata na cena do banheiro? A sequência de treinamento, apesar de divertida, também é didática em demasia, com direito ao velho clichê do relacionamento desgastado entre pai e filha, esclarecido e resolvido também de forma preguiçosa, com a conhecida cena emocional apoiada no diálogo expositivo. A motivação do protagonista – ficar com sua filha – também é repetida quase à exaustão.

Claramente, o roteiro não é o ponto forte de Homem-Formiga – o produto final é creditado a Edgar Wright e Joe Cornish, depois reescrito por Adam McKay e pelo próprio Paul Rudd. Wright, inclusive, seria o diretor original do projeto, mas foi despedido pela Marvel pouco antes de começarem as filmagens. Conhecido pelas suas comédias criativas e idiossincráticas, Wright poderia ter trazido um toque mais pessoal ao filme, assim como James Gunn o fez em Guardiões, mas ele acabou sendo trocado pelo apenas eficiente Peyton Reed.

Talvez por achar que simplesmente produzir um filme do Homem-Formiga já era ousadia suficiente, a Marvel trocou a potencialmente criativa direção de Wright pela eficiência impessoal de Reed. Porém, é injusto reclamar do trabalho do substituto. Do meio para o final do filme Reed consegue criar alguns momentos inventivos. Há gags inspiradíssimas envolvendo o tamanho do herói, como uma luta entre ele e o vilão ambientada no interior de uma maleta, e outros objetos que crescem e encolhem abruptamente na batalha final. Reed também demonstra conseguir trabalhar bem com os efeitos visuais, todos bastante eficientes.

O filme também é ajudado bastante pelo seu simpático elenco. Douglas, Lilly e Stoll estão bem e demonstram estar se divertindo. Ainda no filme temos uma ponta de um dos Vingadores – a aparição surpresa do Falcão (Anthony Mackie), que rende outra cena divertida – e o ator Michael Peña rouba algumas cenas como o atrapalhado ladrão Luís.  As duas sequências nas quais ele conta uma história para o herói são bem montadas e divertidas.

Já Rudd se mostra carismático como Lang, mas curiosamente sua atuação nunca atinge o nível de outros astros da Marvel: comparar seu desempenho aqui, por exemplo, com o do eletrizante Robert Downey Jr. de “Homem de Ferro” (2008) ou com o divertidíssimo Chris Pratt de “Guardiões…”, é covardia. De certa forma, Rudd é o retrato do “Homem-Formiga” da Marvel: eficiente e divertido e cumpre o que promete. Mas ao mesmo tempo deixa uma sensação de que poderia render mais.

Trata-se de um filme muito bobo: não há como fazer um filme sério de um herói que anda por aí montado numa formiga voadora e que consegue controlar milhares delas. A Marvel sabe disso e faz do projeto uma espécie de homenagem a todos aqueles conceitos mirabolantes e deliciosos dos quadrinhos. Mas esse é o limite da sua ousadia: de resto, o filme segue a cartilha Marvel de origem de super-herói sem jamais se desviar dela ou tentar fazer algo novo. E convenhamos, com um personagem como o Homem-Formiga, havia a possibilidade de se tentar algo diferente.