Várias indagações de cunho subjetivo surgiram em minha mente enquanto assistia “Past Lives”, filme de estreia de Celine Song. Esses questionamentos partem de uma reflexão permanente entre passado e presente que a narrativa apresenta à medida em que acompanhamos o desenrolar do relacionamento entre Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo).  

Para conduzir a narrativa, Song se pauta no conceito coreano In-Yun, no qual quando alguém está em sua vida de forma constante e com sentimentos afetuosos é porque em vidas passadas vocês se cruzaram continuamente de alguma forma. Contudo, a diretora e roteirista é sagaz em não prender a história a um destino premeditado, mas calcá-la nos reencontros, partidas e o que fica neste processo.   

Assim, “Past Lives” é carregado de “e se” e como as suposições do que gostaríamos de ser em dado espaço da existência nos escoltam no decorrer da vida, ainda que não pensemos nelas rotineiramente. Partindo dessa construção, é interessante o quanto esse tipo de narrativa no toca. Song parece saber muito bem disso, uma vez que referencia produções as quais os amantes se encontram, mas são afastados pelas circunstâncias da vida como “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, “Antes do amanhecer” e “Your Name”, por exemplo.  

REENCONTROS E REFLEXÕES 

 

Acompanhamos como as trajetórias de Nora e Hae Sung se cruzam e se afastam a cada 12 anos. Como eles parecem fadados a se encontrar, seja na escola, por meio de correio eletrônico ou uma visita turística, mas escolhem se afastar e tocar suas vidas, sem esquecerem-se, contudo. Song utiliza a cenografia para indicar como seus caminhos se tangenciam e seguem em bifurcações distanciadas. Enquanto ele segue reto, por exemplo, ela sobe escadas. Se ele anda pelas ruas de Seul à noite, ela se recolhe no campo, e, apesar disso, há momentos no espaço-tempo em que se atravessam. E quando possuem esta oportunidade, é tempo de reconhecimento, reconexão e integração, no entanto, também é ocasião de dor e de reviver lembranças felizes que se cristalizaram com o afastamento.  

Esta é uma história de reencontros e o interessante é perceber o quanto esse tipo de narrativa nos sensibiliza e nos faz entrar em um espiral de reflexões, no qual a vida dos personagens e suas contingências se tornam nossas. Afinal, quem consegue esquecer do seu real primeiro amor? O que você ainda sente por aquela primeira pessoa que fez seu coração palpitar? Como lidar com a dor de deixar escapar algo por acreditar que não se encaixa no momento que experimentamos? O que você seria capaz de fazer para encontrar seu primeiro amor? Alguns amores não se esquece ; só seguimos em frente e enganamos a vida, uma vez que somos vítimas ainda de nossas próprias omissões.  

o que nos destina a estar com o outro? 

Há uma frase no filme que sinaliza bem isso: “Se você está deixando algo para trás, também ganha algo em troca”. Mas o que se conquista? “Past Lives” se origina de uma experiência subjetiva, mas isso nos aproxima de Hae Sung e Nora, visto que eles seguem suas vidas, mas sempre há um pouco do outro em suas decisões, em suas lembranças. A trilha sonora também nos ajuda a mergulhar nesta perspectiva ao passar a ideia de que algo está acontecendo, mas ainda não se entende o que é, já que se desenrola no campo do etéreo, além de criar uma ambientação só do casal, uma atmosfera na qual seu relacionamento funciona enquanto amigos, companheiros que dividem a famosa e inescrupulosa dor do que não foi, da saudade do que esteve prestes a acontecer.  

Como diz o marido de Nora (John Magaro), custa muito chegar aonde se chega. E embora ele esteja falando sobre imigração, sua fala encontra abrigo no diálogo das mães dos juvenis Hae Sung e Nora. Sung vive em estado de suspensão ao passo que Nora perdeu sua identidade asiática. O olhar dele está sempre sobre ela, como se quisesse dizer algo e não encontrasse as palavras, quanto a ela, mantém um olhar leve e divertido, como quem seguiu. A troca de olhares persistente entre eles e em cenografias diferentes, o não dito, o abraço silencioso de despedida, carrega tudo aquilo que poderia ter sido, mas não estava determinado a ser.   

Neste percurso, ainda que ela pareça ser quem se libertou do ciclo das vidas passadas, seu choro catártico nos braços do marido mostra que há mais ainda a compreender nesta fala, em virtude de “Past Live” discutir em seu background outras temáticas que perpassam a questão emocional como imigração, choque cultural, ancestralidade e orientalismo.   

No fundo, o que nos destina a estar com o outro? É o fato de estarmos na mesma cidade? No mesmo ano, no mesmo fuso horário? E se eu te amar a distância, é impossível para quem quer viver uma vida completa? O que torna “Past Lives” um filme intenso, chamativo e íntimo é sua capacidade de nos fazer sentir a sua história como a nossa, quando o destino de quem amamos não se entrelaça com o nosso ou deixamos para trás algo que estimamos em prol de nos tornarmos a pessoa que gostaríamos de ser. Afinal, é preciso arriscar para alcançarmos os nossos sonhos, ainda que o que deixamos para trás se cristalize quando fechamos nossos olhos e voltamos a falar nossa língua materna.