Um filme ser lançado direto em DVD só pode significar duas coisas: ou é uma obra desafiadora o suficiente para estremecer os conceitos comerciais que envolvem a vida de um filme, de sua concepção inicial à apresentação ao mercado; ou ele simplesmente é tão irrelevante que é mais negócio jogá-lo direto para uma mídia de menor custo. “Blackhat”, que no Brasil recebeu o título inspiradíssimo “Hacker”, tenta se enquadrar no primeiro caso, mas só atinge o segundo.

O filme começa com uma viagem por dentro de circuitos computacionais que, invadidos por um hacker, levam a um acidente numa usina nuclear chinesa, numa sequência que muito lembra o momento em “Clube da Luta” (1999) que mostra o apartamento explodindo graças a um vazamento de gás. Apresentada a situação que serve de gatilho para a trama, começam as investigações na China e EUA, que agem em colaboração e cujas desconfianças um com o outro são bem expostas pela figura dos agentes do FBI americano e militares chineses, ajudando a criar, nos momentos iniciais, o clima tenso que bem cabe a esse subgênero fílmico.

A tensão só aumenta com a chegada de Nick Hathaway (Chris Hemsworth) ao time de investigadores. Ele é um hacker preso por crimes cibernéticos e autor da versão original do código que foi posteriormente modificado e usado para atacar a tal usina do início do filme. Seus conhecimentos são apontados como essenciais para desvendar quem está por trás da invasão.

Um filme que cambaleia na tradução do olhar

“Hacker” tem contra si o mesmo o que cineastas e mesmo jornalistas enfrentam quando querem trabalhar com temáticas que envolvam a tecnologia: a dificuldade de traduzir no audiovisual ações que sim, geram consequências no mundo real (como bem expõe a explosão na usina nuclear por conta da invasão do hacker no filme), mas que são, em sua natureza mais básica, impulsos elétricos numa rede caleidoscópica e um tanto abstrata da web. A tentativa de tradução audiovisual em “Hacker” resulta sóbria, o que é um ponto positivo para o filme ao tentar uma aproximação maior com a realidade, mas o domínio do diretor Michael Mann falha ao tentar compensar isso com um protagonista musculoso e diálogos explicativos em excesso.

Vamos por partes. Primeiro, faz-se necessário frisar que Chris Hemsworth tenta o máximo possível dar dignidade a Hathaway, um hacker preso há anos que é libertado temporariamente para auxiliar no caso graças a sua expertise. Ele constrói um personagem arrogante com nuances bem diversas da comicidade de seu Thor nos filmes da Marvel, agregando ao personagem uma linguagem corporal bem mais sutil que dá ao público uma mostra de seu potencial como ator de maior profundidade, como ele apontou em “Rush: No Limite da Emoção” (2013).

Porém, é um tanto difícil encaixar a figura loura e musculosa de Hemsworth na figura de um hacker, e esse incômodo prejudica-o ao perdurar o filme inteiro, apesar de existirem algumas exceções. O mesmo vale para a bela Wei Tang interpretando outra auxiliar das investigações, Chen Lien, com o agravante de que sua personagem é bem menos relevante, servindo basicamente para que exista uma cena de sexo num filme sobre programadores criminosos. Pelo menos Viola Davis ajuda a ala feminina do elenco como a agente durona do FBI Carol Bennett.

Cena de Viola Davis em Hacker (Blackhat), de Michael Mann

Não ajuda também o fato de que o filme tenha tantos momentos autoexplicativos, que deem ao público uma dimensão dos estragos que um hacker pode fazer no mundo real. “Hackers” traz uma visão obviamente menos vistosa que seu parente distante “Hackers – Piratas de Computador” (1995), mas sofre por não saber traduzir em sua narrativa esses perigos, apostando em diálogos no qual pessoas de conhecimento altamente especializado tenham que explicar umas às outras coisas o que muito provavelmente profissionais da área da computação concluiriam em segundos ao se deparar com as situações expostas no filme.

É difícil entender qual a dificuldade de colocar um desses hackers explicando, pelo menos, a um personagem leigo o que tem que se explicar ao público, ou criar outros artifícios para passar essas informações de maneira mais original. Dentre tantos outros filmes, lembra a cena dos astronautas em Interestelar (2014), no qual um deles explica ao personagem de Matthew McCounaughey o que é um buraco negro. Voltando a “Hacker”, esse complexo de didatismo se mostra ainda mais desgastante quando não surge na trama algo que salte aos olhos e faça o protagonista se mostrar tão expert a ponto de merecer ser retirado da prisão e acompanhar os investigadores, sendo inclusive levado para outros países. Chegando na China, por exemplo, o que ele faz de mais genial é intercalar os trajetos de três suspeitos num mapa exposto num computador e descobrir o local em que eles se encontram…

Uma questão de ritmo

Outro ponto problemático de “Hacker” é o seu ritmo. O filme constrói sem pressa sua narrativa, o que poderia servir para um maior aprofundamento da trama e dos aspectos psicológicos do protagonista em especial, mas basicamente não há sobressaltos no que Hathaway junta as peças do quebra-cabeça para o espectador. Dessa forma, a direção de Mann parece confundir sobriedade com falta de entusiasmo para contar sua história.

Vale lembrar que essa trama já possui uma série de digressões ao seu suposto ar sóbrio e realista que serviria, supostamente, para dar um “tcham” a mais no filme. O mais óbvio deles é o fato de um criminoso como Hathaway, pretenso gênio da informática, poder circular com certa liberdade fora da prisão, sendo monitorado apenas por uma tornozeleira eletrônica. Em dado momento, ele também burla com certa facilidade e o sistema de segurança da NSA, a Agência Nacional de Segurança americana, com o aval inclusive de Bennett. Um ato muito extremo que, exposto no ritmo delimitado por Mann, é apenas chato, mas que pelo menos desencadeia um turning point no roteiro.

Cena de fuga de Chris Hemsworth em Hacker (Blackhat), de Michael Mann

Outro é o relacionamento sem química entre ele e Chen Lien. Num dado momento, o irmão dela, o militar Chen Dawai (Leehom Wang), discute brevemente com Hathaway sobre o que ele fará com Lien caso não consiga pegar o hacker que perseguem, pois sua irmã “nunca esteve tão feliz” como ao lado dele. Poderia ser um diálogo humanizador para os personagens envolvidos, não fosse a inexpressividade de Wei Tang e o fato de que a personagem da atriz apenas dormiu algumas vezes com o Hathaway num curto espaço de tempo. Sem maiores detalhes, mas o que acontece daí para frente fica sem sentido por conta desse elemento de desequilíbrio do filme.

Por essas e outras, “Hacker” é um longo, lento e mal executado thriller de Mann, que desde “Colateral” (2004) não consegue recriar um clima de tensão tão interessante ao espectador em seus filmes. Melhor sorte no próximo projeto.