O goleiro Hannes Þór Halldórsson se despediu da seleção da Islândia, em setembro deste ano, depois de 10 anos que viram o time alcançar algumas de suas maiores consagrações – a ida à primeira Copa do Mundo em 2018 e chegar às quartas de final da Eurocopa 2016. No cinema, porém, sua história parece estar apenas começando. Em “Cop Secret”, seu filme de estreia, ele se mostra um diretor preciso e irreverente. Exibido na Competição Internacional do Festival de Locarno deste ano, o longa é uma comédia escancarada que merece o apreço do grande público.
“Cop Secret” acompanha Bússi (Auðunn Blöndal), o clássico policial praticamente fora da lei, enquanto sua vida ameaça se desintegrar. Este verdadeiro Dirty Harry nórdico inferniza o parceiro Klemenz (Sverrir Þór Sverrisson), enlouquece a chefa e vive uma relação estagnada com a namorada. Quando uma série de assaltos a banco, comandados pelo maníaco Rikki (Björn Hlynur Haraldsson), pega Reykjavík de surpresa, Bússi se joga na missão de detê-los.
Parte disso é escapismo – ele claramente tem problemas – mas parte também vem de sua rivalidade profissional com o colega Hörður (Egill Einarsson), um magnata bisexual musculoso que entrou para a polícia por altruísmo. Eventualmente, os dois são forçados a trabalhar juntos e o policial linha dura se vê diante de um caso insolúvel: ele se apaixona por seu rival e entra em parafuso.
TIRAÇÃO DE SARRO CONSTANTE
O roteiro, idealizado por Halldórsson, Blöndal e Einarsson e escrito por Halldórsson, Sverrisson e Nina Pedersen, é uma grande sátira dos arquétipos machões do cinema americano. Ele se inspira na obra de realizadores como John McTiernan (“Duro de Matar”) e Shane Black (“Beijos e Tiros”) ao mesmo tempo em que tira sarro dela.
Absolutamente tudo o que os protagonistas fazem aqui é fetichista: a obsessão de “Cop Secret” com armas, carros, explosões e força física é elevada à enésima potência para efeitos cômicos, mas nunca perde o viés subversivo. Na primeira missão com reféns em que Bússi e Hörður vão juntos, por exemplo, a câmera se delonga em momentos que filmes como esse não privilegiam, como um toque de mãos entre os dois ou a bunda de Hörður enquanto ele corre em slow-motion.
O duo principal está em ótima forma, mas é Blöndal como Bússi que dá vigor ao filme. Um homem que recorre ao alcoolismo e ao comportamento agressivo e desregrado para lidar com a negação de sua própria sexualidade, seu conflito interno é o que mantém o espectador envolvido na trama a despeito da absurdez de tudo o que acontece na tela.
GOLAÇO SURPREENDENTE
Haraldsson também é incrível como Rikki, o vilão caricatural e metalinguístico que o cinema precisava em 2021. Porcamente dublado em inglês, plateias brasileiras deverão lembrar dos esquetes do “Fucker and Sucker”, do “Casseta e Planeta”, assistindo o personagem. Tente não rir quando um de seus capangas pergunta a outro por que raios seu chefe não fala islandês como todo mundo…
Há vários filmes com a mesma pegada de “Cop Secret” que não escapam a sina de serem meros derivados das produções que satirizam, mas o longa islandês traz um frescor que deve agradar ao público sedento de novidades sem alienar aquele que só quer dar boas risadas sem pensar muito.
É o tipo de filme que é exibido nas sessões de meia-noite de festivais e geralmente fica de fora de suas competições principais, então é digno de nota o espaço que Haldórsson conseguiu em Locarno. Seu trabalho principal pode ser impedir gols, mas aqui, ele marcou um.