Comédias românticas sobre casais de classe média, que optam por novas “aventuras” para tirar o relacionamento da monotonia, não é algo novo no cinema brasileiro. Algo semelhante vemos na trilogia “De Pernas pro Ar” e em “Loucas Pra Casar”, ambas escritas pelo roteirista baiano Marcelo Saback.

Desta vez, o cineasta resolve se aventurar como diretor estreante ao trazer o remake do sucesso argentino “Dois + Dois” para o Brasil. A adaptação conta a história de Diogo (Marcelo Serrado) e Emília (Carol Castro) que tem seu casamento monótono de 15 anos virado de cabeça para baixo após descobrirem que os melhores amigos, Ricardo (Marcelo Laham) e Bettina (Roberta Rodrigues) são adeptos ao “swing” – prática que permite a “troca de casais” durante o ato sexual.

Após a descoberta, Emília consegue convencer o marido a experimentar a prática sexual com os amigos Ricardo e Bettina. E a partir disso, uma série de acontecimentos abala a vida dos protagonistas. Sentimentos como desejo, ciúme, posse e competição mudam o destino desses casais, que vão precisar lidar com muitas transformações em suas vidas ao longo da trama.

APOSTA NO RISO FÁCIL

Monogamia e relacionamentos abertos são temas discutidos cada vez mais na sociedade contemporânea. Porém, ainda assim, é visto com certa distância por muitos brasileiros dito “conservadores”. E, talvez, este seja o principal motivo que impediu Saback de se aprofundar em uma temática que merece bastante atenção para não cair no “superficial”.

Vale ressaltar que o diretor pontuou as principais diferenças e desafios na adaptação durante entrevista coletiva em que o Cine Set teve a oportunidade de participar. Dentre as quais, optou por reduzir as cenas de sexo do original e trouxe mais cenas de romance com o objetivo de aproximar o espectador brasileiro do longa.

Mesmo que sejam obras com públicos diferentes, se traçarmos um comparativo entre os filmes, é possível perceber que não há tantas diferenças significativas. Lógico que o texto de Saback, com piadas que tiram um riso fácil (algo característico de suas obras) acaba sendo superior à comédia argentina.

Além do fato de que, na versão brasileira, as mulheres ganham ainda mais destaque no decorrer do longa; destaque para a atuação de Carol Castro no papel de uma mulher que não se limita ao impor seus desejos sexuais perante o marido conservador. Mas, fora isso, a adaptação brasileira não ousa em navegar para rumos mais interessantes que o argentino.

HOMENAGEM A “BELEZA AMERICANA”

Um ponto interessante de se ressaltar no filme é a boa direção de fotografia de Carlos Zalasik. Os enquadramentos em planos fechados nos personagens evidenciam o tom sensual em muitas cenas. Destaque para a cena íntima com os dois casais que foi feita em motion control (técnica utilizada para captar movimentos em plano-sequência).

Além do ótimo trabalho com as cores quentes e frias dosadas conforme o sentimento dos personagens. Como por exemplo, as cenas em que o desejo sexual de certos personagens é explorado, percebe-se uma coloração mais avermelhada que remete do ponto de vista da semiótica a este sentimento. A propósito, “Dois + Dois” chega até fazer referência ao clássico “Beleza Americana“, quando tenta abordar o desejo proibido que Diogo tem pela esposa do melhor amigo.

Na adaptação de Saback, “Dois + Dois” comete o mesmo erro do original: levantar uma problemática com grande potencial, mas sem fundamentá-la com argumentos sólidos capazes de provocar reflexões interessantes a serem discutidas. Saback logo de início já deixa claro que a comédia romântica não pretende ser moralista. Mas, o desenvolvimento dos personagens ao longo do filme contraria essa premissa: personagens que a priori são bem resolvidos com o “swing”, acabam vendo na prática sexual, um facilitador para o declínio do relacionamento a dois.

Em “Dois + Dois”, temos a tentativa de levantar uma temática considerada “tabu” em grande parte do público brasileiro; ao mesmo tempo em que entrega uma comédia que diverte o espectador. Porém, Saback não se preocupa de fato com os elementos apresentados durante os 105 minutos de filme, sendo uma opção satisfatória para quem quer rir e nada além disso.

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...

‘Origin’: narrativa forte em contraste com conceitos acadêmicos

“Origin” toca em dois pontos que me tangenciam: pesquisa acadêmica e a questão de raça. Ava Duvernay, que assina direção e o roteiro, é uma cineasta ambiciosa, rigorosa e que não deixa de ser didática em seus projetos. Entendo que ela toma esse caminho porque discutir...