Desde a primeira publicação em 1887, o nome Sherlock Holmes ficou marcado como um dos grandes personagens da literatura, mais popular inclusive do que o próprio autor, Arthur Conan Doyle. Nos cinemas, as inúmeras adaptações das aventuras do detetive sempre variam entre um roteiro baseado em seu pensamento lógico e, na mais recente com Robert Downey Jr, absurdas cenas de ação.
Sem fugir à regra, é exatamente desta forma que ‘Enola Holmes’ apresenta mais uma versão do detetive inglês, porém, trazendo, agora, a irmã de Sherlock como protagonista, a qual carrega os mesmos talentos investigativos. Embora a iniciativa seja louvável e apresente uma trama instigante e bem construída, o longa acaba marcado por falhas na construção de seus personagens e forçar a aproximação além do necessário com temáticas caras aos dias atuais sem a devida propriedade.
No filme, Enola Holmes (Millie Bobby Brown) terá a missão de investigar o desaparecimento repentino de sua mãe (Helena Bonham Carter), o que traz os irmãos Sherlock (Henry Cavill) e Mycroft (Sam Claflin) de volta ao lar. Como qualquer outra reunião familiar, os conflitos logo vêm à tona, fazendo Enola fugir de casa para descobrir o paradeiro da matriarca e ainda ajudar o jovem marquês Tewkesbury (Louis Partridge).
Apesar de ter sua imagem estritamente atrelada a ‘Stranger Things’, Millie Bobby Brown consegue ser uma ótima protagonista: muito além do carisma, ela convence o público com sua trama. Assim, a escolha por conduzir a narrativa através das intervenções de Enola dialogando diretamente ao público e quebrando a quarta parede são bem aproveitadas pela atriz em sua habilidade de equilibrar a personagem em diferentes cenários. Essa destreza também se deve a experiência do diretor Harry Breadbeer em ‘Fleabag’ com as intervenções da personagem conseguindo ser dinâmicas.
Se Sam Claflin também manda bem, o mesmo não dá para dizer de Henry Cavill. Aqui, a atuação do astro de ‘The Witcher’ é extremamente linear, existem poucas emoções envolvidas e esse problema não pode sequer ser justificada pela personalidade reclusa de Sherlock já que existem momentos mais sentimentais, onde Cavill permanece parecendo uma estátua de cera. Sim, ele continua sendo um ótimo Superman e Gerald de Rívia, mas, como Sherlock, não tem como defender.
REPRESENTATIVIDADE ‘PERO NO MUCHO’
Henry Cavill, porém, não é o único problema de “Enola Holmes”. Aparentemente, qualquer filme realizado após os movimentos Time’s Up e #MeToo que tenha uma protagonista mulher tenta engajar alguma temática feminista na trama. Quando funciona, merece todos os aplausos, porém, se não dá certo, deixa uma sensação incômoda de tentativa de representatividade forçada para ganhar pontos nas redes sociais.
“Enola Holmes” até começa bem ao mostrar a relação entre Enola e sua mãe e de que forma ambas se desprendem do padrão feminino da época, evidente nas cenas de luta da personagem. Porém, quando a produção busca abordar o direito ao voto feminino e apresentar outras personagens, tudo desanda. O grande exemplo disto é a personagem Susan Wokoma, a qual fica restrita ao estereótipo de mulher agressiva e feminista aparentemente com raiva de qualquer coisa.
Desta forma, ao narrar uma história subversiva, “Enola Holmes” se apega em estereótipos, uma grande contradição. A explicação pode estar atrás das câmeras, afinal, não temos mulheres na direção e no roteiro do longa. Ainda assim, como um entretenimento despretensioso, a produção da Netflix agrada pelo bom ritmo e uma protagonista cativante.