Monk Ellison (Jeffrey Wright) é um professor universitário super qualificado e frustrado; portanto, sem tempo para os bons-mocismos liberais. Sua acidez o afasta do magistério e o coloca em uma sinuca de bico: como reinventar a carreira falida se tudo que o mercado quer são as mesmas histórias de miséria e sofrimento no que diz respeito à experiência negra? 

É aí que Monk decide chafurdar na lama do poverty porn e escrever um livro tão clichê, mas tão clichê que qualquer editor perceberia que Monk está tirando uma com sua cara. Ou era o que ele pensava, pois, o romance acaba se tornando um sucesso, para sua grande infelicidade. 

“Ficção Americana” é, portanto, uma sátira. Mas as sátiras desse tipo têm um problema: elas precisam falar para as mesmas plateias brancas e liberais que estão satirizando. É tudo um ritual complexo de auto-congratulação, no fim das contas, uma forma velada de expiação da culpa branca. É necessário fazer concessões. 

SÁTIRA E RELAÇÕES FAMILIARES

Como o filme de Cord Jefferson supera esse obstáculo? Primeiro de tudo sendo realmente engraçado. Seu roteiro sagaz tem no elenco aliados preciosos; Wright é o destaque, claro, e só o modo como o ator muda desajeitadamente seu andar na cena em que o almofadinha Monk finge ser um gangsta durante um almoço de negócios já vale ouro. Mas Sterling K. Brown como Clifford, o irmão gay e com um latente senso de rejeição de Monk, injeta profundidade notável no personagem. 

Em segundo lugar, Jefferson acaba se mostrando mais interessado nas relações familiares dos Ellison do que no mote da sua trama per se, isto é, a falcatrua literária de Monk. A primeira metade de “Ficção Americana” é praticamente toda dedicada aos conflitos que afligem a família. É aí que Jefferson demonstra habilidade ao fazer malabares com dois tons distintos, a comédia e o melodrama. 

DILEMA DE JEFFERSON

Ou seja: parece até que aquilo que seria o mote do plot – a tramoia de Monk – fica para escanteio. Isso significa dizer que aqui é a própria sátira que soa como uma forma de concessão. Porque fica claro que Jefferson quer fazer é uma história singela e engraçada sobre uma família passando pelos problemas que uma família enfrenta. A diferença é que aqui os protagonistas são todos negros. 

A única forma dos brancos comprarem uma narrativa sobre uma família afro-americana, por mais adorável que ela seja, é se ela for vendida como uma sátira, isso mesmo, aos próprios brancos. Narcisismo, neurose e por aí afora. 

Resulta que “Ficção Americana” não tem muito para onde ir com aquilo que lhe serve como suposta razão de ser. O que talvez seja até bom: é melhor uma dramédia familiar bem-feita do que uma sátira engessada.