O cinema brasileiro celebra os necessários números superiores a 1,5 milhão de ingressos vendidos por “Minha Irmã e Eu” depois de um período de vacas magras provocado pela pandemia da COVID-19 e ausência de políticas públicas de verdade como a cota de tela. Antes dele, o maior sucesso da produção nacional foi “Minha Mãe é um Peça 3”, protagonizada pelo saudoso Paulo Gustavo, com a marca impressionante de 11,5 milhões de espectadores. 

Para além do gênero e dos títulos com pronomes possessivos e a ligação familiar, as duas produções trazem uma essência muito parecida. Na receita de sucesso de ambos, há o talento de grandes comediantes explorando ao máximo o que cada um tem de melhor e um jogo que alterna entre o progressismo e conservadorismo. Tudo isso permite à “Minha Irmã e Eu” e “Minha Mãe é uma Peça” falar com um público amplo sem incomodar nenhuma ala de uma sociedade cada dia mais dividida. O resultado são os números acima. 

QUÍMICA DE MILHÕES 

“Minha Irmã e Eu” faz algo que demorou muito tempo para acontecer de tão óbvio: unir Ingrid Guimarães e Tatá Werneck em uma comédia. Ok, as duas estiveram juntas por breves momentos em “TOC: Transtornada Obsessiva Compulsiva”, mas, ali era apenas uma participação especial da estrela do sucesso “De Pernas Pro Ar”. Desta vez, temos a dupla ao longo de 1h50 moldando suas personagens para as principais características do humor delas.  

Logo, temos Tatá explorando o lado mais criançona e a velocidade da fala para realçar as enrolações de uma trambiqueira, enquanto Ingrid joga com seu estilo de mulher madura comum que se mete em uma série de roubadas a partir de uma situação incomum. Os créditos iniciais com os contrastes das vidas de Mirelly e Mirian já dão a deixa do que o público pode esperar. Não à toa é quando elas interagem que “Minha Irmã e Eu” consegue atingir seus pontos mais altos, pois a essência do filme fica clara ao suspender praticamente tudo para se concentrar nos jogos das duas – nada muito diferente do que ocorria com Paulo Gustavo em “Minha Mãe é uma Peça”.  

Neste sentido, a inteligência do roteiro escrito por Ingrid ao lado outros cinco nomes, incluindo a diretora Susana Garcia, de apostar em um road movie potencializa a criação de situações cômicas diferentes para as estrelas se esbanjarem. O repertório vai desde o mais escrachado e óbvio de uma luta de puxar cabelos em uma festa de casamento passando por piadas ora boas (Tony Ramos chefe da suruba e tesão no Felipe Neto) ora forçadas (Iza como atriz é uma cantora de pop excelente) até as divertidas conversas nonsense no carro como sobre falar cabelereiro ou hairstylist. 

BUSCA PELO CONSENSO 

Em uma clara busca de conseguir atingir um público diverso em um país polarizado, “Minha Irmã e Eu” faz um jogo de estica e puxa para agradar às mais diversas plateias. Para uma plateia mais conservadora, o filme carrega na pieguice dos elos familiares, especialmente, com os flashbacks e em frases de efeitos dignas de corrente de WhatsApp que sua tia mandaria. A pegada country e cervejeira de comercial da Brahma completa o pacote. 

Por outro lado, toda esta história traz a emancipação feminina como pano de fundo. A personagem de Ingrid Guimarães se vê em um casamento estagnado e completamente dependente do marido. Já Tatá Werneck encarna uma figura livre, sobrevivendo com as próprias pernas em uma cidade grande longe do conforto da vida que poderia ter ao lado da família e sexualmente ativa sem problema aquilo de falar sobre o assunto.  

Se esta mistura não permite que “Minha Irmã e Eu” consiga ser tão ousado quanto poderia, por outro lado, permite que assuntos mais modernos se tornem palatáveis para plateias menos simpáticas às pautas progressistas. É um jogo que Paulo Gustavo soube jogar com maestria ao fazer Dona Hermínia: ganhou a simpatia de todos os públicos com a mensagem familiar enquanto abordava, por exemplo, o casamento gay. E tocar “Evidências”, o atual hino oficial do Brasil, sintetiza com vícios e virtudes esta busca à perfeição.