E eis que, do nada, ele retorna… Borat Sagdiyev, o antissemita e machista ex-segundo melhor jornalista do Cazaquistão, ressurge num mundo bem diferente daquele no qual ele um dia foi um fenômeno, no já distante ano de 2006. O primeiro Borat, uma produção baratíssima e surpreendente, foi um enorme sucesso distribuído por um grande estúdio, a 20th Century Fox, e revelou para o mundo o talento e a insanidade sem limites do comediante e ator britânico Sacha Baron Cohen, que antes era conhecido apenas pelo seu programa de TV Da Ali G Show. Era um mundo onde as redes sociais ainda não tinham tanto poder, e no qual doidos que acreditam que a Terra é plana ficavam confinados aos quartos escuros de suas casas. Saudades…

Bem, o mundo ficou consideravelmente mais pirado desde 2006. Por isso é até apropriado o retorno de Borat. Rodado em segredo, e em parte durante a pandemia de Covid-19, Fita de Cinema Seguinte de Borat é dirigido por Jason Woliner, roteirizado por Cohen e um batalhão de outros roteiristas, e chega agora no streaming da Amazon Prime Video. No começo da história, vemos Borat (Cohen) condenado a trabalhos forçados por ter queimado o filme da grande nação do Cazaquistão perante o mundo. Mas quando McDonald Trump assume a presidência dos Estados Unidos, as autoridades cazaquistanesas resolvem se reaproximar da terra da liberdade e mandam Borat servir como embaixador, levando um presente – um macaco que faz filmes pornôs! – para o vice-presidente Mike Pence. A viagem, no entanto, se complica quando a filha de Borat, Tutar (Maria Bakalova), embarca de clandestina junto com o pai para os EUA.

E de novo, a viagem e o estilo de filmagem em documentário servem para a produção expor o lado brega, ridículo, absurdo e preconceituoso da sociedade norte-americana. No entanto, nesta sequência, a abordagem é um pouco diferente. Primeiro, porque agora Borat é famoso, por isso, Cohen se vê forçado a utilizar vários disfarces – cada um mais bizarro que o outro – para passar despercebido. Segundo, porque esta sequência é mais abertamente política. Os maiores alvos das trolladas do filme são mesmo os conservadores; aqueles que acreditam em fake news, não importando o quão absurdas; e Trump e seus apoiadores. São pessoas tão pouco inteligentes e capazes de viver em completa negação da realidade, que se tornam candidatos ideais para a zoação. Até nosso presidente “cara durão” Bolsonaro é zoado…

SURREAL AO EXTREMO

Porém, desde o primeiro filme as técnicas de mockumentary, o documentário falso, já se popularizaram bastante, por isso a continuação simplesmente não consegue repetir o mesmo impacto do original. E a continuação é uma narrativa mais tradicional também. A revelação Maria Bakalova é um achado como Tutar, capaz de competir de igual para igual com Cohen em ousadia e força cômica, sem contar que parece ser tão insana quanto o astro. Sério, algumas coisas que ela faz nesta continuação são do tipo “precisa ver para crer”. No entanto a personagem é uma faca de dois gumes, pois a sua presença na trama, entremeada entre os vários sketchs e segmentos, fornece um arco dramático tradicional para Borat, do tipo “o herói precisa aprender a ser pai”. Isso é até feito com competência, mas é algo que já vimos bastante e não deixa de ser um elemento um pouco decepcionante num filme que se pauta pela ousadia.

Ainda assim, apesar dessas limitações… Fita de Cinema Seguinte de Borat é simplesmente muito engraçado. E em termos de insanidade, não fica devendo nada ao seu predecessor. De novo, a loucura e a disposição de Cohen em provocar as pessoas ao seu redor e os espectadores do filme rendem momentos que impressionam – como entrar numa reunião do Partido Republicano, onde Pence vai palestrar, vestido de membro da Ku Klux Klan; ou a cena em que Borat e Tutar dançam no baile de debutantes. De novo, em alguns momentos Cohen bota sua segurança, até sua vida, na reta em nome da trollada. O espectador ora se espanta, ora explode de rir, e é o poder do choque, do desconforto, e da vergonha alheia que alimentam este segundo Borat e fazem dele uma obra surreal e absolutamente divertida.

E nenhuma trollada é mais impressionante do que a do clímax do filme, envolvendo a participação do ex-prefeito de Nova York e atual advogado e conselheiro de Trump, Rudolph Giuliani. É o tipo de cena que reflete o absurdo da vida em 2020, outro momento do tipo “não acredito que estou vendo isso” presente nesta sequência.  Não deixa de ser curioso que, este ano, a volta de Borat acaba sendo uma das coisas que mais fez sentido. Só mesmo a inspirada criação de Sacha Baron Cohen para conseguir nos fazer rir da maluquice ao nosso redor.

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...

‘Origin’: narrativa forte em contraste com conceitos acadêmicos

“Origin” toca em dois pontos que me tangenciam: pesquisa acadêmica e a questão de raça. Ava Duvernay, que assina direção e o roteiro, é uma cineasta ambiciosa, rigorosa e que não deixa de ser didática em seus projetos. Entendo que ela toma esse caminho porque discutir...