A ficção-científica é o gênero (literário, cinematográfico) por excelência para dramatizar as ansiedades humanas: crise climática, preocupação com inteligência artificial, grandes corporações e governos cada vez mais desumanos oprimindo o ser humano… Podemos citar aqui inúmeros filmes que abordaram esses temas e muitos mais deverão surgir no futuro próximo. Afinal, quanto mais ansiosos estivermos, mais precisaremos exorcizar esses sentimentos por meio da arte para nos sentirmos mais seguros. Ao menos pelo tempo em que levarmos para ler um livro ou uma HQ ou ver um filme. Depois as ansiedades retornam.

O que nos traz a este Foe, uma produção curiosa que é o novo filme do diretor Garth Davis, o mesmo de Lion: Uma Jornada para Casa (2016). Baseado no livro de Iain Reid, o filme parece colocar todos esses conceitos no liquidificador para fazer uma vitaminada de temas sci-fi. Logo no começo, um letreiro nos informa sobre seres humanos artificiais. Depois percebemos que a Terra está indo para o proverbial buraco e governos estão se unindo para levar boa parte da humanidade para uma estação em órbita. Um belo dia, um funcionário chamado Terrance (vivido por Aaron Pierre) bate na porta da fazenda do casal Hen e Junior (Saoirse Ronan e Paul Mescal). Não sabemos se ele trabalha ao certo para o governo ou uma corporação, ou dois, e na verdade, isso parece não importar.

Terrance informa ao casal que o homem recebeu a oportunidade de ir viver no espaço, mas a mulher não. Eles terão dois anos para se aclimatar e se preparar. E, com meia hora de filme, eles são informados de que quando Junior for embora, será fornecido para Hen um substituto artificial que parecerá idêntico ao seu marido e conterá as suas memórias.

INÉRCIA TOTAL

A princípio, é a curiosidade que move o interesse por Foe, mas com o tempo ela vai se esvaindo. O aspecto de salada sci-fi é incômodo e, no fim das contas, o filme não faz nada de realmente novo com esses conceitos. A história também não tem suspense: ora, se de cara somos informados da existência de “replicantes”, à la Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), não há surpresa nenhuma quando eles de fato aparecerem.

Fora que há uns detalhes bastante esquisitos: se o planeta está se acabando e os personagens estão num local remoto, por que vemos Hen trabalhando em um restaurante aparentemente normal na beira da estrada, e Junior em uma fábrica gigante de processamento de frango? Outra coisa: se existe a tecnologia para criar uma cópia do ser humano, por que não mandar ela para o espaço e deixar o original em paz? É estranho e “Foe” nunca se preocupa em explicar direito essas questões.

No fim das contas, Garth Davis parece confiar que seus atores vão carregar o nosso envolvimento com a história. Infelizmente, isso não acontece: Ronan e Mescal são dois atores do momento, muito competentes, e dão tudo de si, mas não fazem milagre. Foe é simplesmente inerte porque não dá para se importar com os dois personagens. Hen e Junior são frios e, no início, há algumas cenas estranhas onde parece que ele está controlando-a.

EMOÇÕES ROBOTIZADAS

Algumas ideias são jogadas sem serem de fato exploradas como o ciúme de Junior devido a uma suposta atração de Terrance por sua mulher. E o diretor também não faz favores aos seus astros ao forçar a mão no melodrama. No clímax da trama, Mescal faz caras e bocas tentando expressar o pânico do seu personagem e o resultado acaba ficando mais engraçado do que emotivo. Curiosamente, com seu desempenho ambíguo e jeito ora simpático ora ameaçador, é Aaron Pierre quem acaba se destacando mais do que o casal principal.

Com um ar inegável de peça de teatro em certos momentos – algumas cenas se assemelham a exercícios de interpretação entre os três atores principais – Foe pede que nos importemos com a vida na Terra, mas faz pouco para evocar essa vida entre as figuras que carregam a história. Se não nos importamos com os personagens e a história apresenta detalhes vagos que indicam uma construção de mundo superficial, é difícil então ter algo para dar suporte à experiência.

Ficção-cientifica é muito rica, mas é preciso trabalhar direito com esse tipo de história: o mundo fantasioso não pode ficar tão vago e a trama não pode ficar carente de humanidade se o objetivo dela for justamente reclamar essa característica humana. De certa forma, todo mundo parece replicante em Foe, incluindo aí os personagens, a direção e o próprio roteiro. E quando isso acontece, não há cena “poética”, narração em off ou atores da moda que consigam salvar.