No final de 2022, a Netflix confirmou que produzia um documentário sobre o primeiro curta-metragem dirigido pelo vencedor do Oscar, Bong Joon-ho, que havia sido assistido por apenas 10 pessoas, todas membros de um cineclube fundado com a ajuda do diretor nos anos 1990. Em 2023, ”Porta Amarela: O cineclube dos anos 90” estreou quase despercebido na Netflix, mas aparentemente teve seu foco levemente alterado. Ao invés de ser um filme sobre Bong Joon-ho, concentra-se no cineclube Porta Amarela, seus membros e seu papel no avanço e na construção da cena cinematográfica sul-coreana. 

Dirigido por Lee Hyuk-rae, que também era membro do Porta Amarela, o filme adota uma abordagem mais íntima do assunto. Não é um estudo aprofundado sobre o cineclube, mas sim um conjunto de relatos pessoais das pessoas que fizeram parte dele. Não há um narrador que explique tudo o que acontecerá; são apenas as pessoas que viveram essas experiências compartilhando lembranças e discutindo entre si como tudo realmente ocorreu. 

O fato de não ter um narrador e poucas entrevistas é justamente o que ajuda a proporcionar essa abordagem mais intimista ao longa. Toda a narrativa é construída como uma grande conversa entre velhos amigos; muitas cenas consistem em gravações de uma videochamada na qual relembram pequenos momentos, compartilham lembranças engraçadas e discutem principalmente a relação de cada um com o cinema. A impressão que temos é a de estar bisbilhotando uma reunião particular, como intrusos testemunhando as experiências e vínculos pessoais entre os membros do cineclube. 

O LEGADO DO CINECLUBISMO

É importante destacar o contexto histórico sobre o próprio desenvolvimento do cinema sul-coreano que é apresentado durante ”Porta Amarela: O cineclube dos anos 90”. Muitos jovens, provenientes não apenas do Porta Amarela, mas também de outros cineclubes, acabaram se tornando figuras proeminentes na indústria cinematográfica. Dentro do próprio Porta Amarela, observamos a ascensão de talentos como Bong Joon-Ho, o diretor Lee Hyuk-rae e outros que continuaram a trabalhar no audiovisual, como professores ou cineastas, até os dias de hoje. Diversos desafios enfrentados por esses jovens, destacando a dificuldade de acesso a livros e materiais para estudar cinema, a escassez de filmes disponíveis e até mesmo a influência significativa da pirataria em sua formação como cinéfilos. 

O misterioso primeiro curta dirigido por Bong Joon-Ho, uma animação em stop motion chamada “Looking For Paradise”, permanece como um dos focos do filme, funcionando quase como uma narrativa que acompanha desde a criação do clube até a primeira exibição do curta. Ao longo do documentário, somos apresentados a cenas desse curta, compreendendo como e por que ele foi produzido, bem como os impactos que teve na carreira do diretor. 

O maior problema aqui talvez esteja na maneira de como o filme é montado, que deixa tudo um pouco confuso. Boa parte do longa segue uma certa linearidade para contar a história do Clube, onde os relatos meio que se conectam entre si para formar uma narrativa. O problema aí é que, às vezes, falta uma conexão, alguns fragmentos parecem desconexos e confusos ou fora da linearidade, não que isso seja um problema mas existe uma diferença de quando isso é feito por uma escolha do diretor ou outra desorganização. 

Por fim, “Porta Amarela: O Cineclube dos Anos 90” poderia ter contado uma história mais simples sobre o primeiro curta de Bong Joon-Ho, mas transforma isso em algo maior: um fragmento significativo da história do cinema coreano, uma narrativa pessoal sobre a juventude nos anos 90 e o amor pela cinefilia. Hoje, podemos observar um cenário mais robusto no cinema coreano, com mais investimentos e incentivos, e tudo isso é retratado como parte da conquista daqueles jovens.