Ridley Scott está em cartaz nos cinemas com o aguardado “Napoleão”. Apesar das críticas até agora se mostrarem bem divididas – os americanos e britânicos gostaram do filme, mas, no Brasil, os críticos foram menos generosos -, a produção da Apple está no debate para o Oscar 2024. 

Daí, fica impossível não recordar da trajetória do diretor britânico e se questionar se ele deveria ou não já ter vencido alguma vez a estatueta dourada.

Neste novo vídeo do Cine Set, eu falo sobre se o Ridley Scott é injustiçado ou não na Academia. 

1970-1980: FASE DAS INJUSTIÇAS

A primeira fase da carreira do Ridley Scott não deu match com o Oscar. Dos anos 1970 até o fim da década de 1980, o diretor conseguiu sucesso de crítica e público como raramente viu depois, mas, a Academia o deixou de lado. 

“Os Duelistas”, por exemplo, participou da disputa da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1977, vencendo o prêmio de Melhor Filme de Diretor Estreante.

O Bafta nomeou o drama de guerra a Melhor Figurino e Fotografia, porém, o Oscar simplesmente ignorou o filme. 

O pior, entretanto, estava por vir. 

Blade Runner - O Caçador de Androides, de Ridley Scott

O britânico emendou dois clássicos que redefiniram a ficção científica: “Alien – O Oitavo Passageiro” e “Blade Runner – O Caçador de Androides”. O longa com a Sigourney Weaver até obteve uma vitória em Efeitos Visuais e uma nomeação em design de produção, mas, ficou somente nisso em 1980. Três anos depois, a superprodução com Harrison Ford chegou ao Oscar cercado de críticas divisivas e emplacou apenas em Efeitos Visuais e Direção de Arte, perdendo, respectivamente, para “E.T” e “Gandhi”. 

Tanto “Alien” quanto “Blade Runner” são vacilos absurdos da Academia. Mostra dois problemas claros do Oscar: o primeiro dos anos 1980 quando a festa resolveu se concentrar no tradicionalismo em vez de apostar em obras realmente ousadas e, claro, os preconceitos contra filmes de gênero, aqui, no caso, o terror e a ficção científica. Ambos tinham tudo para serem nomeados a Melhor Filme, Direção, categorias de atuação e, no filme de 1982, não seria nada absurdo uma vaguinha em Roteiro Adaptado. 

Depois de dois hits, o Ridley Scott deu uma diminuída de ritmo e não dá para reclamar tanto de “A Lenda”, com o Tom Cruise, ter sido nomeado apenas a Maquiagem e, a esnobada completa a “Perigo na Noite”.Já o clássico do Supercine, “Chuva Negra” apareceu apenas em Edição de Som e Som. 

1990-início dos 2000: RECONHECIMENTO PELA METADE

O jogo para o Ridley Scott mudou de verdade no início dos anos 1990. 

O sucesso de “Thelma & Louise” quebrou a resistência da Academia para com o britânico: foram seis indicações ao Oscar 1992, incluindo, Melhor Direção, Atriz para Geena Davis e Susan Sarandon e Roteiro Original, única vitória da produção. Por incrível que pareça, o longa não apareceu em Melhor Filme na cerimônia dominada por “O Silêncio dos Inocentes”. 

Aqui, foi realmente uma pancada forte, afinal, “Thelma & Louise” perdeu a vaga para “A Bela e a Fera”, primeira animação da história a concorrer na categoria máxima. Vale lembrar que nesta época não havia a categoria de Melhor Animação, o que só amplifica o feito do filme da Disney e o tombo do Ridley Scott. 

Se “1492” e “Tormenta” ficaram bem abaixo da filmografia do Ridley Scott, o diretor jogou as fichas em uma parceria com uma das maiores atrizes daquela década. 

 “Até o Limite da Honra” gritava Oscar de Melhor Atriz para a Demi Moore. O desafio físico somado a se despir do padrão de beleza preconizado na época em um papel teoricamente difícil era a combinação perfeita. O fracasso de “Striptease”, entretanto, manchou a imagem da estrela, um tombo que o longa de Scott não conseguiu redimi-la-.  

O filme também não ajudou muito, logo, ficou no zero a zero. 

A maior chance da carreira do Ridley Scott chegou mesmo em 2001. 

“Gladiador” trouxe os épicos para a Hollywood do século XXI ao combinar a grandiosidade típica destes filmes embalada em uma história simples, mas, bem-executada de personagens facilmente identificáveis com o público com a novidade da computação gráfica mais moderna da época para reconstruir o Coliseu. O resultado foi não apenas a primeira indicação a Melhor Filme como já de cara a primeira vitória. O Russell Crowe também venceu Melhor Ator. 

Já o Ridley Scott… coitado: justo no ano perfeito para ser premiado, viu o Steven Soderbergh ter um ano de ouro, sendo indicado em dose dupla por “Traffic” e “Erin Brokovich”. Nem mesmo a possibilidade de uma divisão de votos ocorreu e o britânico perdeu Melhor Direção pela segunda vez. 

Aqui, é difícil criticar tanto assim a Academia: concordo que o Ridley Scott faz um grande trabalho em “Gladiador” pelas dimensões do filme em uma época que Hollywood começava a abandonar filmes deste porte, porém, o Soderbergh, pelo conjunto da obra naquele ano, fez por merecer. Fora que ainda havia o Ang Lee, este sim que, para mim, deveria ter sido o ganhador por “O Tigre e o Dragão”. 

A presença do Ridley Scott na lista de indicados em 2002 por “Falcão Negro em Perigo” foi uma verdadeira surpresa, afinal, foi a única do filme nas categorias principais. Por outro lado, as vitórias em Som e Montagem, além da nomeação em Fotografia, mostram que a Academia o reconhecia, mais uma vez, pela competência técnica absurda de suas produções. 

“Falcão Negro”, aliás, encerra uma fase ótima do diretor, dando lugar a uma sucessão de filmes ruins. “Os Vigaristas” se salva, mas, “Hannibal”, “Cruzada” e “Um Bom Ano” são de doer. 

ANOS 2000-2020: FASE TENEBROSA

“O Gângster” é um suspiro de lucidez, chegando a render uma indicação ao Globo de Ouro em Melhor Direção. No Oscar, o policial foi praticamente ignorado, inclusive, com esnobada absurda ao Denzel Washington. A Ruby Dee em Atriz Coadjuvante e a Direção de Arte honraram o longa. 

Melhor Direção em 2008 teve uma concorrência boa, especialmente, pelas presenças dos irmãos Coen, Paul Thomas Anderson e Julian Schnabel. Claro que pode render a discussão do Ridley Scott no lugar do Tony Gilroy, de “Conduta de Risco”, e do Jason Reitman, de “Juno”, mas, ainda sim vejo não apenas os dois como também o David Cronenberg, esnobado por “Senhores do Crime”, a frente do britânico. 

Se “Rede de Mentiras” é mediano, não dá para ser tão generoso com bombas como “Robin Hood”, “Prometheus”, “O Conselheiro do Crime” e “Êxodo: Deuses e Reis”. Destes todos, somente a ficção científica da série “Alien” foi ao Oscar com uma nomeação em Efeitos Visuais”. 

Crítica: Perdido em Marte, de Ridley Scott

“Perdido em Marte” recordou o ocorrido com “Thelma & Louise”: muitas indicações – aqui sete ao todo, incluindo, Roteiro Adaptado e Melhor Ator com Matt Damon. Se lá, a esnobada ocorreu em Melhor Filme, desta vez, foi o próprio Ridley Scott deixado de lado entre os diretores.  

Não havia condições do britânico barrar o George Miller, Alejandro González Iñarritu e o Adam McKay. Agora, acho que o Ridley Scott poderia estar nas vagas ou do Lenny Abrahamson ou Tom McCarthy. Porém, ao mesmo tempo, acho exagerado considerar esta esnobada a ele como injusta. “Perdido em Marte” está longe de ser um grande filme e nem faz cócegas perto do que ele já fizera em melhores épocas. Poderia ficar de fora tranquilamente. 

Esquecendo totalmente “Alien: Covenant”, em “Todo o Dinheiro do Mundo”, o maior ato do Ridley Scott foi atrás das câmeras ao trocar, de última hora, o Kevin Spacey pelo Christopher Plummer. E foi justamente com o veterano que veio a única nomeação do nada inspirado drama ao Oscar 2018. 

“Casa Gucci” e “O Último Duelo” foram decepções junto à Academia. O primeiro tinha a expectativa de que a Lady Gaga fosse indicada e até se falava em Melhor Filme, mas, só veio mesmo Maquiagem e Penteado. Enquanto o épico feminista, naufragou mesmo sendo o melhor filme em tempos do diretor. 

VEREDICTO: INJUSTIÇADO, MAS, NEM TANTO

Filmografia: Ridley Scott - Arte + Comércio

O meu veredito é que o Ridley Scott tem muito a reclamar da Academia nos anos 1980 e um pouquinho no início dos 2000 quando perdeu por “Gladiador”.

Os altos e muitos baixos da carreira dele, entretanto, o prejudicam demais e faz com que o clamor por uma estatueta não seja tão elevado na indústria, crítica e cinefilia.  

Por outro lado, ver cineastas tão inexpressivos como Tom Hooper e Michel Hazanavicius serem ganhadores de Melhor Direção e o Ridley Scott não deixa a Academia com um filme queimado.