O poeta e pesquisador paraense Paes Loureiro, ao se debruçar sobre a cultura amazônica, destaca alguns pontos que considera essenciais sobre o que é viver na região, dentre eles: o devaneio, a paisagem mítica e o lúdico presente no despertar imaginativo sobre os mistérios que rondam nossa fauna e flora. O curioso é refletir o quanto suas contemplações estão presentes no curta-metragem de Ana Lígia Pimentel. 

Gravado durante a pandemia no Refúgio Sumaúma, na Comunidade Nossa Senhora do Livramento, a 20 minutos de barco de Manaus, “Galeria Decolonial” é um passeio por um museu a céu aberto incrustado na floresta amazônica. Não apenas por sua mise-en-scene evidenciar essa proposta, mas também pelo olhar apurado e estético como Pimentel fotografa este projeto. Somos convidados a adentrar e enxergar nossas paisagens como verdadeiras obras de arte e, assim, mergulhar em nossa própria expressão artística. 

Um artista amazônico

A galeria se alimenta de obras do artista plástico parintinense Luiz Salgado, que também aparece como o guia do público pelo museu natural. Suas pinturas em parceria com a direção de arte criam um diálogo entre a produção cultural e a vida na Amazônia, funcionando quase como um espelho, como bem indica os reflexos invertidos captados por Pimentel, e uma complementaridade dos símbolos regionais.

O Teatro Amazonas, o boi bumbá, a arara azul, todas as peças selecionadas retratam aspectos cotidianos da cultura cabocla, que escoam ainda na presença e no som das crianças brincando no rio. Ana Lígia Pimentel recorre a um olhar íntimo, cuidadoso e de pertencimento para enaltecer a Amazônia e o processo artístico regional. Prova disso é sua recriação de “O Pensador”, escultura clássica do francês Auguste Rodin a qual acentua não apenas o ambiente, mas principalmente a corporeidade e a ancestralidade. 

Neste aspecto, há algo que é impresso no filme de maneira sútil: a relação da arte com o tempo e de ambos com a territorialidade. Como se o decorrer tênue do tempo amazônico dialogasse com o fazer artístico. Ao mesmo tempo, as poesias narradas no último bloco por Selton Mello indicam a efemeridade da vida na região, em uma conversa direta com os grupos etários presentes no curta-metragem. Assim, os ribeirinhos representados por crianças, adultos e idosos se tornam transitórios em meio a natureza e a arte. Não à toa, “Galeria decolonial” abre com um frame que, em muitas culturas, representa um rito de passagem e despedida. 

Ana Lígia Pimentel entrega um filme, como seu próprio título indica, decolonial e lindamente amazônico, no qual as paisagens e a visualidade dialogam com o processo artístico e a expressão artística amazonense, sem a necessidade de apelar para o exótico ou utilizar meramente a natureza sem haver uma ponte com seus habitantes. Precisamos de mais olhares regionais e sobre nossa região assim.