Ecoando Jacques Demy em seus clássicos com música e desencontros amorosos como “Os Guardas Chuvas do Amor” e “Duas Garotas Românticas”, Nicolas Maury apresenta um conto sobre ciúmes, afeto, ansiedades e inseguranças em “Garoto Chiffon” – uma das estreias na plataforma Reserva Imovision deste mês. Maury, que é cineasta e ator mais reconhecido pelo papel hilário que desempenha no hit “Dix Pour cent” (Netflix) como o ácido Hervé, mostra polivalência como outros colegas da produção que também se arriscam na direção, como Grégory Montel e Laure Calamy – que inclusive faz uma pontinha nesse Garoto Chiffon.

A produção acompanha um homem na casa dos 30 anos com uma profunda dependência emocional do namorado, Albert (Arnaud Valois). Ele ainda rejeita a mãe (vivida pela sempre esplendorosa Nathalie Baye), não quer nem saber de lidar com o luto do pai, que já faleceu há alguns anos, mas com quem nunca se sentiu conectado. Para completar, está vivendo um momento de profundo vazio existencial. Ele é ator, se chama Jérémie, mas, desde a infância recebeu o apelido de “Chiffon”, como um adesivo colado a sua frágil auto-estima. A mãe se refere a “Chiffon” como um pano velho, daqueles que vive jogado em algo canto aleatório da casa, pois, Jérémie gostava de se esconder e se refugiar com frequência.

De volta para o presente, em Paris, a vida de Jérémie ao longo de poucos dias entra em uma espiral desastrosa: ele não consegue ir bem em audições, não obtém o trabalho que esperava numa produção, não consegue manter o relacionamento amoroso já que, no auge da insanidade, resolve que é uma boa instalar câmeras de vigilância no apartamento para ficar de olho em Albert. Com isso resolve voltar pra casa e pro colo da mãe Bernadette. E ela, super protetora, só o infantiliza mais, porém, pelo menos, ele começa a sair do casulo com a aproximação de Kevin (Theo Christine), um jovem hetero com pinta de galã, que ajuda Bernadette.

ENCONTRO CONSIGO MESMO

Nesse estudo de personagem, Maury consegue comover, atrair empatia e também antipatia pelo seu personagem, um homem adulto, cheio de ‘white people problems‘ mas que canta para espantar os males e também atrair amores. A sequência em que está na piscina com Kevin, se abrindo e podendo refletir sobre como a possessividade desgasta sua vida e seus afetos, é singela. Maury não ousa em aspectos narrativos, fazendo uma direção segura e clássica, desta história linear de encontro consigo mesmo.

Jérémie volta de casa na companhia de um lindo husky siberiano caramelo, que lhe foi presenteado, e com esse apoio emocional consegue se perdoar e pedir desculpas aqueles que magoou. E aí, como mágica, tudo flui – vai bem nas audições, passa a acreditar que é digno de amor. E até é surpreendido pela vida.

A cena final, também embalada pelo tom musical com Maury cantando, acalenta o peito. Independente da presença do romance ou não, ali Jérémie entende que tudo vai ficar bem.