Os fãs de ficção científica estavam em polvorosa: desde que os primeiros trailers de Interestelar começaram a pipocar na internet, no meio do ano, parecia que estávamos diante “do” filme de 2014. Afinal, lá estavam, no mesmo set, o ator que experimentou uma reviravolta espetacular na carreira em apenas um ano (Matthew McConaughey) e o diretor que se notabilizou por pegar um material na melhor hipótese ligeiro e fazer dele a saga mais ambiciosa e rica de um personagem na última década (Christopher Nolan e a trilogia Batman).

Para completar, um material que costuma marcar a carreira de gênios do cinema, e onde só os nomes com verdadeira ambição e inteligência conseguem se destacar: a ficção científica. Não aquela dos mundos de fantasia, sabres de luz e explosões (nada de errado com isso), mas a do sci-fi tomado como investigação filosófica, existencial, dos limites humanos. Em sua nova produção, Nolan escolheu se testar contra nomes como Stanley Kubrick (2001 – Uma Odisseia no Espaço), Andrei Tarkovski (Solaris) e Fritz Lang (Metrópolis), entre outros gigantes do gênero. Bem, como ele se saiu?

Em boa parte da projeção, o melhor possível. Mas, na maior parte do tempo, infelizmente deixando a desejar. Interestelar é, sem dúvida, um programa obrigatório para os fãs do cinema com ambição e ideias, mas é a incapacidade de se manter à altura dos seus melhores momentos que frustra tanto quem o assiste.

Cooper (Matthew McConaughey) é um ex-piloto de missões espaciais que cria os dois filhos numa mundo onde os recursos naturais começam a se esgotar. Há algum tempo, as plantações não crescem mais, tempestades de areia assolam as cidades, e profissões antes louvadas, como engenheiro e físico, começam a perder espaço para trabalhos braçais, como agricultura e construção de casas. É um cenário atávico, regressivo, onde a tecnologia vigente é aquela do período onde começou a carestia – por sinal, a nossa época. Cooper fez parte da NASA em tempos melhores, mas agora se vira como fazendeiro enquanto educa as crianças para a ciência – em especial a filha Murphy (Mackenzie Foy na infância, e Jessica Chastain na idade adulta), que compartilha a mesma curiosidade à toda prova, além do espírito indômito e aventureiro.

Ao investigar bizarras distorções gravitacionais que vêm surgindo no terreno próximo à casa da família, Cooper e Murphy se envolvem em um projeto secreto da NASA para lançar uma missão em busca de novos planetas habitáveis, antes que o tempo da humanidade se acabe. Para tanto, eles vão usar um recurso da física conhecido como “buraco de minhoca” (do original wormhole), uma distorção da gravidade espacial que cria uma espécie de “furo” no tecido do universo, permitindo a quem entrar nele chegar muito mais rápido a áreas que, percorrendo “na raça”, levariam décadas para se alcançar.

Parece mirabolante? Pois tanto a hipótese do fim das plantações quanto a dos buracos espaciais são perfeitamente plausíveis. Da primeira, temos um exemplo verídico (e assustador) no chamado “Dust Bowl”, nome que os americanos dão ao período de seca prolongada ocorrido no país na década de 1930, quando, após anos de desmatamento, territórios inteiros ficaram inúteis para o cultivo. Já a teoria dos buracos é uma das mais férteis da astrofísica moderna, e defendida por especialistas de renome mundial, como o teórico Kip Thorne, em cujo trabalho o roteiro de Jonathan Nolan, irmão do diretor, se inspirou.

Da parte positiva, podemos citar as imagens assombrosas do espaço e dos veículos espaciais imaginados por Nolan – quase um lugar-comum para o diretor de A Origem, mas que aqui são levados a um novo nível de ousadia e imaginação. O roteiro intrincado de Jonathan também consegue, especialmente no início e no fim do filme, estabelecer de forma brilhante a relação entre os eventos monumentais do espaço com as pequenas frustrações e desesperos que movem os protagonistas – a mesma mágica conseguida nos melhores momentos da trilogia Batman e de A Origem. A trilha sonora de Hans Zimmer, que mistura o batido tom solene com um fundo dissonante, insistente, também é digna de nota. Mas todo o virtuosismo técnico do filme seria inútil se não fosse o trabalho de McConaughey e Foy/Chastain. É do ator renascido, que anda emplacando um grande trabalho atrás do outro, e sua química com as intérpretes de Murphy que vem toda a força emocional da história, além da desejada empatia com a plateia.

Em compensação, o resto do elenco está mediano – Anne Hathaway (O Diabo Veste Prada), Wes Bentley (Beleza Americana) – ou até ruim, como o fraquíssimo vilão interpretado por Matt Damon (A Identidade Bourne). O mesmo roteiro que constrói momentos de brilho também empaca no miolo do filme, com tramas desinteressantes tanto no espaço quanto na Terra, fazendo com que todo o impacto do início da história se perca durante quase uma hora de projeção, só sendo retomado no crescendo final. São muitos diálogos forçados, didáticos, e personagens que demoram a demonstrar a que vieram.

A falta desses momentos de maior voltagem durante grande parte do filme pesa sobre o resultado final, fazendo com que uma história ambiciosíssima, de dimensões metafísicas, acabe soando enfadonha e sentimental em muitos momentos. Um saldo que soa como um retrocesso após os ótimos resultados da série Batman e A Origem, mas que na verdade é mais humano e comovente que este último, apesar dos defeitos – e mostra que o perigo de Nolan se tornar um cineasta virtuoso, mais preocupado em embasbacar com efeitos do que em desenvolver personagens cativantes, está descartado, ao menos por enquanto. Viajar com Nolan para os confins do universo ainda é uma experiência excitante e comovente, e não apenas de se admirar.

Crítica: Interestelar, de Christopher Nolan