Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital intelectual do produto refém de escolhas e decisões preguiçosas, refletindo falta de criatividade. 

No mundo do cinema, existem certos filmes que se enquadram na fórmula do remake, já que necessitam de uma nova perspectiva ou elementos visuais inovadores para dialogarem com temáticas atuais, gerando um impacto relevante que dê significado a obra para uma geração mais nova e quem sabe reviver o interesse pelo material original. Dito isso, vejo “Matador de Aluguel” estrelado pelo carismático Patrick Swayze no final dos anos 1980, como “protótipo” ideal para preencher os requisitos da chamada “refilmagem necessária”. 

Ainda que pese o original ter se tornado cult com passar dos anos – fez sucesso nas videolocadoras e na televisão – e eu particularmente nutrir certa simpatia nostálgica por ele devido o estilo mágico da época em transitar entre a breguice ingênua e a elegância cheia de charme para capitalizar o cinema de ação da época, era visível que o filme dirigido por Rowdy Herrington pedia por uma revitalização da estrutura narrativa e visual para se adaptar às mudanças na trama, no visual estético e na nova reinterpretação da história, que, apesar da interessante mística de faroeste contemporâneo inserido nas entrelinhas do enredo, não deixava de ser entrelaçado pela ação galhofa nostálgica dos anos 80 e que envelheceu nada bem mesmo com todo o esforço em pregar uma certa seriedade a sua proposta. 

A premissa da “nova versão” produzida pela Amazon e dirigida pelo diretor Doug Liman, é mantida em certo contexto, mas com as devidas repaginadas necessárias. Nela, o astro Jake Gyllenhaal assume o papel de Swayze como Dalton, um ex-lutador de MMA traumatizado por um incidente no passado que é contratado por Frankie (Jessica Williams) para ser o leão de chácara de um bar no litoral da calorenta Flórida (no original era a ruralista Missouri) e enfrentar um grupo de desordeiros que atuam sob a ordem de um poderoso da cidade, o empresário Ben Brandt (Billy Magnussen, o vilão millennial saído de alguma edição de um Big Brother da vida, diferente do sujeito gélido e casca-grossa de Ben Gazarra no filme base) que deseja ter o estabelecimento para bens próprios. 

Sem coragem para inovar

Tirando alguma e outra referência direta a obra oitentista e de mostrar o anti-herói solitário colocando ordem numa cidade corrupta e violenta, o novo “Matador de Aluguel” segue um caminho próprio e atualiza a premissa oitentista para a modernidade atual, sedimentando sua base estrutural da ação na luta de UFC, a sonoridade na pluralidade de gêneros musicais e os personagens e seus dramas na diversidade racial. Tudo isso costurado por momentos de diversão, humor e romance que funcionam aqui e ali a favor da história. 

Curioso que semelhante ao original, ambos têm duas metades “montanha-russa” interagindo na sua estrutura fílmica, uma que funciona e outra que não. A diferença é que no filme de Swayze o que começava bem, mudava da água para o vinho e terminava bagunçado, enquanto na refilmagem a situação se inverte: depois de uma metade inicial genérica na abordagem do enredo e que se leva séria demais além da conta, a outra desce melhor quando encontra sua razão de ser na sátira e fica mais confortável para trabalhar a veia cômica, os estereótipos dos personagens e diálogos, o tom vulgar e a ação estilizada exagerada. 

Por sinal, este encontro sem qualquer refinamento e que se assume desavergonhadamente na segunda parte do trabalho em termos de pancadaria, cresce ainda mais com a entrada de Connor McGregor como o capanga psicopata e ajuda o longa a estabelecer um frescor dinâmico a sua narrativa, ao trazer uma fisicalidade rústica ligada a um 220V descerebrado que vai divertido o público a cada nova empreitada de completo escracho de Dalton frente aos seus algozes. 

Só que tirando esta ação contemporânea moldada pela insanidade violenta para repaginar o material base, o remake “Matador de Aluguel”, pouco tem coragem de inovar ou experimentar novas ideias. Senti falta nesta releitura do olhar elegante em trabalhar os elementos de faroeste que o original tinha na sua narrativa oitentista, além da construção da figura solitária de Dalton, que aqui ganha um tratamento menos fidedigno apesar de todos os esforços de Jake Gyllenhaal em honrar o legado de Swayze. 

É incrível como o filme oferece uma versão menos carismática dos personagens originais e por mais que as mudanças necessárias sejam realizadas para deixar a narrativa mais compacta, nota-se a falta que fazem bons e (carismáticos) atores para compor o elenco coadjuvante como Ben Gazarra, Sam Elliot, Jeff Healey (o músico cego do original) e Kelly Lynch. O maior exemplo disso é que a própria disputa de poder e espaço entre os vilões e Dalton parece saída daquelas brigas de moleques na escola, assim como o relacionamento amoroso dele com a médica (vivida pela portuguesa Daniela Melchior) é estéril que nem lembra a química ardente de Swayze com Lynch. Até a sonoridade musical do filme, utiliza bandas no estilo ghostwriter para entregar um repertório sonoro Shopee. 

Jake Gyllenhaal, o lobo solitário

Independente se Gyllenhaal precisa fazer o seu pé de meia e por tabela vista-grossa as limitações explícitas do roteiro é ele próprio que dá dignidade a um personagem muito mal construído pelo mesmo. Mesmo que imprima uma performance longe de marcante se comparada à de seus principais longas-metragens (e seria surpreendente se fizesse com o que tem em mãos aqui), a sua clara autoconsciência em transmitir segurança nos seus diálogos e olhares fazem da sua atuação um resort frente as de quitinete dos demais atores do elenco – ainda que traga energia as situações de ação, é inegável que a “intepretação” constrangedora de McGregor já o torna um forte candidato ao próximo “Framboesa de Ouro” – mostrando compreender o que o papel exige e de que forma adequá-lo a pegada do roteiro. 

Por sua vez, Doug Liman parece contagiado pelo senso de acomodação da adaptação. Dono de uma filmografia de altos como os divertidos “Vamos Nessa”, “Identidade Bourne”, “Feito na América” e “No Limite do Amanhã” e de baixos recentes, no caso, os horrorosos “No Mundo do Amanhã” e “Confinamento”, o cineasta sempre primou por ser um eficiente operário padrão dos filmes de ação. 

Em “Matador de Aluguel”, o cineasta se esforça em dar credibilidade as nuances e suavidades do drama trágico de Dalton ao trabalhar de maneira hábil, os traumas e segredos do seu passado, ainda que eu prefira o toque misterioso construído pelo original sobre ele, que nunca revelava o passado em flashbacks, apenas o insinuando numa cena capital, por meio de uma “ação” digna de ser vista em filmes de zumbis relacionada a tranqueia do seu oponente. 

Agora naquilo que mais importa na refilmagem que é a pancadaria comendo solta é que o trabalho de Liman derrapa. A sua câmera é até orgânica na ação inventiva em primeira pessoa alinhada a uma montagem em acelerar os golpes (chamada de frame drops) e criar uma dinâmica de planos que variam na própria subjetividade do combate, tanto girando pelos lados quanto acima dele para deixar tudo visível aos olhos do público. 

Só que na prática isso não funciona devido ser mal trabalhado, deixando a pirotecnia vazia. Os momentos de ação são esquisitos, a montagem acelera demais os combates, prejudicados também pelo excessivo (e equivocado) uso de CGI que ao invés de provocar imersão naquele cenário, o diminui. 

No final das contas, esta refilmagem de “Matador de Aluguel” não consegue captar a emoção do espírito aventuresco e delicioso do original. Mesmo assim, encontra a sua serventia, seja como releitura, seja como cinema de ação: cumprir com o papel de apresentar uma porradaria genuína sem qualquer frescura e que não tem a vergonha de abraçar a sua própria tolice de maneira sincera. 

Se o trabalho dos anos 80 traz o sentimento nostálgico dos VHS antigos onde o filme fez bastante sucesso, esta versão da Amazon deixa claro que os streamings são o novo ganha-pão do mercado cinematográfico, ocupando o espaço que pertencia as videolocadoras. Não é à toa que o longa-metragem é o maior lançamento global da empresa, desde o seu lançamento no final de março. De certa forma, Swayze e Gyllenhaal encontraram o sucesso de suas versões no conforto do lar.