Heraldo tem um alvo no peito. Ninguém sabe mais disso do que ele, que inclusive verbaliza essa angústia permanente em dado momento de “Motel Destino”. Diretor de filmes de estradas e de aeroportos, Karim Aïnouz traz em seu novo trabalho uma fuga que talvez seja mais literal do que as anteriores, em um cativeiro que é metade fascinante, metade macabro, em um cenário que talvez não se traduza tão bem lá fora, mas que é nosso. Refiro-me ao motel do título do filme.

É lá que o já citado Heraldo, protagonista vivido por Iago Xavier, se esconde após uma tentativa de assalto. Lá também é onde vive e trabalha o casal Dayane (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção). Um labirinto em neon que ativa não apenas os desejos dos clientes, o Motel Destino também atiça os traumas de quem vive sempre alerta.

O sol continua escaldante do lado de fora e invade cada brecha possível, lembrando que há um mundo que ainda procura por Heraldo. Mesmo que digam que ninguém vai achar o jovem dentro do motel, Karim nunca deixa que seu protagonista se sinta seguro. Ainda que encontre em Dayane alguém que o veja de verdade, ele também tem o contraponto de ter que lidar com o famoso cidadão de bem na figura de Elias, uma ameaça constante que sempre parece pronta para se concretizar – afinal, para ele, “bandido bom é bandido morto”. 

REFLEXO INDISSOCIÁVEL DE UM TEMPO

A famosa (e até um pouco batida) máxima de que um filme é fruto de seu tempo martela em minha cabeça toda vez que penso sobre este novo trabalho de Karim. De volta ao Brasil contemporâneo, ele parece não apenas refletir o Brasil durante e pós-governo Bolsonaro (e ascensão conservadora como um todo), mas também o confronta por meio do trio principal.

O prazer alheio é fonte de lucro e de satisfação para o personagem de Fabio Assunção (completamente à vontade no universo de Karim), mas a casca é totalmente hipócrita e conservadora. Para fora daqueles muros, ele não perde uma missa. Dentro, é um marido abusivo e totalmente fora de compasso com a esposa – e isso se vê em momentos até banais, como a cena em que dança totalmente sem ritmo com ela e Heraldo, que parecem completamente sincronizados.

Karim emprega um tom voyeurista que remete a Alfred Hitchcock e seu “Psicose”, em uma história de suor e constante tensão, tanto sexual quanto de violência. “Motel Destino” é um filme que revela e dá espaço a quem vive com o pé no acelerador, sempre com os olhos no próximo esconderijo. E, para isso, mais uma vez ele conta com um elenco (que inclui a amazonense Isabela Catão), que, ao contrário de Elias quando tenta dançar “Pega o Guanabara”, está em total imersão e sintonia.