Uma coisa que se pode falar de “O Estrangulador de Boston”, filme de Matt Ruskin, é o quanto está centralizado na figura feminina. Ao mesmo tempo em que temos mulheres como vítimas, encontramos nelas também profissionais interessadas em desvendar a onda de crimes. Tudo isso em meio a uma narrativa que não teme mostrar seu verdadeiro inimigo: o sexismo. 

A produção se baseia na investigação jornalística dos assassinatos cometidos pelo estrangulador de Boston na primeira metade dos anos 1960, no qual 13 mulheres foram vítimas de estrangulamento e agressão sexual. O caso teve cobertur das jornalistas Loretta McLaughlin (Keira Knightley) e Jean Cole (Carrie Coon), que trabalhavam no Record América. Com um roteiro bem pontual, Ruskin acompanha a jornada delas em busca da verdade e de noticiá-la com respeito e retidão. 

OLHAR DISRUPTIVO SOBRE MULHERES

Embora a narrativa se fundamente no popular true crime, a condução da trama apresenta muitos aspectos de ser um filme sobre jornalismo, evidenciando o núcleo de uma redação no período e o aproximando do clima de suspense de produções recentes como “Spotlight” e “Ela Disse”. A angústia está mais presente no não-dito, nos embates que ficam nas entrelinhas ou naquilo que sentimos, mas não vemos; o que torna o horror ainda mais denso e impactante como na cena da banheira ou no pavor que domina uma das jornalistas ao andar numa rua escura a noite sozinha. 

Neste sentido, “O Estrangulador de Boston” se preocupa em detalhar o pânico social causado por crimes deste naipe se debruçando em dois aspectos fortes na cultura patriarcal: a insegurança nutrida pelas mulheres e sua desvalorização por seus pares. Ruskin assume um olhar sensível e disruptivo para retratar a luta das jornalistas seja na tentativa desesperada de fazer com que os policiais – todos homens – de Boston interligassem os crimes semelhantes, seja na busca por credibilidade dentro de seu ambiente de trabalho. 

O que chama atenção nessa escolha é a desvalorização profissional feminina feita por homens que realizam um trabalho mediano e ainda a minimização dos conflitos e temores femininos. A direção se centra em apresentar uma perspectiva de crítica ao comportamento masculino nessas situações, um passo importante e curioso para o cinema contemporâneo. A forma como Ruskin aborda questões da mulheridade e deposita em suas protagonistas reais conflitos experimentados por aquelas que são profissionais, mães e esposas; foge do olhar clássico sobre personagens femininas e suas vivências, apresentando um caminho viável na busca por representatividade. 

FUNDAMENTAL REDE DE APOIO

Do mesmo modo, a construção da trama traça uma linha explícita sobre a misoginia e o quanto ela está enraizada na sociedade e presente em circunstâncias regulares e específicas, sendo até mesmo usado no discurso feminino. Enquanto os assassinatos explicitam os extremos da aversão às mulheres, a tentativa de silenciamento feminino também é uma forma de praticá-la. A personagem de Knightley, por exemplo, em boa parte do filme, tem sua voz castrada no trabalho, pelas mulheres da própria família e até mesmo pelo esposo que, a priori, soa como compreensivo e parceiro. 

A construção narrativa de “O Estrangulador de Boston” demonstra a importância de se ter uma rede de apoio feminina em contraponto à rede velada que existe entre os homens. Ruskin entrega uma história interessante e sensível que nos mergulha no true crime sem cair nos clichês do gênero e ampliando a discussão do espaço feminino na sétima arte. Uma produção que vale a pena ser vista.