O ano de 2022 marca cinco anos do início das revelações dos crimes de Harvey Weinstein feitas pelo The New York Times e a New Yorker. Como não podia deixar de ser, a data se torna uma maneira de rememorar a situação e indagar o que mudou na indústria hollywoodiana em relação a sua política sexista. Ainda longe de ter uma resposta agradável à última pergunta, ao menos podemos relembrar a exposição do fundador da Miramax em uma produção que mostra o trabalho do jornalismo investigativo. 

Dirigido por Maria Schrader, “Ela Disse” se baseia no livro homônimo de Jodi Kantor e Meghan Twohey, as duas jornalistas responsáveis pelo artigo que expôs os casos. O livro detalha a investigação sobre as três décadas de assédio, abuso sexual e encobrimento dos delitos de Harvey Weinstein, considerado uma das figuras mais importantes do cinema hollywoodiano nos anos 90. O roteiro de Rebecca Lenkiewicz (“Desobediência”) se debruça em adaptar a investigação incorporando de forma magistral os aspectos cinematográficos. 

Mulheres comuns que salvam mulheres

Um dos acertos de “Ela Disse” é a humanização das personagens centrais. Acompanhamos os desafios de Jodi (Zoe Kazan) e Meghan (Carey Mulligan) enquanto mães e profissionais, enfatizando a complexidade da rotina feminina moderna: fragmentada em várias partes para dar conta de tudo a sociedade. Nesse percurso, ainda que o filme aborde de forma superficial, é interessante perceber o relacionamento de Jodi com a filha mais velha e a depressão pós-parto de Meghan. A narrativa falha ao não dedicar mais momentos a explorar esses pontos e a relação entre as duas jornalistas, a priori mostrada com indiferença e depois com cumplicidade, como se tivéssemos perdido algo diante de nossos olhos. 

A construção escolhida, contudo, mergulha em sensibilidade para registrar o relato das vítimas. Ao trazer a experiência cotidiana das investigadoras, abre-se um paralelo entre elas que torna o medo das denúncias mais angustiantes, ao mesmo tempo em que oferece cuidado, importância e respeito a história das vítimas de Weinstein; reafirmando ainda o excelente trabalho das jornalistas e como a reportagem fundamentou o que viria a ser o movimento #MeToo. 

Poderíamos falar que a linha de pensamento de diretora e roteirista conduzisse-nos para um exemplar de sororidade, mas acredito que vá um pouco além disso. Desde quando a projeção se inicia, com as denúncias de assédio de Donald Trump, nos é apontado a importância de mulheres comuns confiarem em outras mulheres comuns e assim tornarem-se uma rede de apoio. Importante para qualquer pessoa.

 Os bastidores da notícia

“Ela Disse” parece um contraponto a tantos filmes de investigação jornalística como “Spotlight”, “The Post”. Além de colocar mulheres como protagonistas e tê-las contando suas histórias, o ritmo do filme consegue flertar com a rotina de um jornalista que precisa dar conta de sua vida pessoal e da reportagem que trabalha. Schrader desperta, com isso, o interesse do público, que acompanha o passo a passo da investigação, sem esconder as conquistas e as inúmeras frustrações que a profissão carrega. A sensação de verossimilhança se adensa com as filmagens nos escritórios verdadeiros do New York Times e a presença de Ashley Judd, uma das vítimas reais de Weinstein. 

Há o momento, contudo, em que os caminhos da reportagem se tornam sufocantes: quando ficamos diante das histórias das funcionárias da Miramax. A dimensão do caso se expande e a produção ganha mais relevância. Mais uma vez podemos comprovar o quão cinematográfico e cuidadoso é o trabalho deste projeto, diante do passado e do presente de cada uma delas é possível enxergar as marcas do abuso, as sequelas profissionais e emocionais das ações de Weinstein e daqueles que cooperaram para o silenciamento delas. 

O que mudou?

Talvez esta seja a pergunta central durante e após a projeção. “Ela Disse” chega em um momento importante, em que Weinstein foi sentenciado a 23 anos de prisão por agressão sexual e estupro, mas que o #MeToo parece ser só mais um movimento de vanguarda e não algo que merece continuar em destaque por tempo ilimitado. E o trabalho de Schrader joga o holofote novamente para sua primazia. 

A escolha narrativa é envolvente, emocionante e sóbria para abordar um assunto delicado e essencial. Evidenciando o quanto é necessário lutar contra o sexismo, além de deixar claro o quanto esta guerra encontra-se longe do fim. Mas há esperança. E o jornalismo exerce um papel crucial nesta conjuntura, por isso precisa ser feito com seriedade, responsabilidade e a credibilidade exposta na rotina e no processo investigativo. 

Para aqueles que quiserem mergulhar mais nas denúncias, recomendo o filme “Intocável”, disponível no YouTube (assista aqui), que escancara a podridão do caso Weinstein e o envolvimento da indústria hollywoodiana em tudo isso.