Desde o seu início, Babysitter surpreende o espectador: em uma série de cortes rápidos e diálogos que se sobrepõem, acompanhamos um grupo de homens já um pouco bêbados, na plateia de uma luta de MMA, conversando sobre mulheres. Já deu para imaginar, não é, leitor? Chegam duas garotas que se sentam na fileira da frente e eles começam a fazer comentários sobre elas e a conversar com a dupla. Na saída, um desses caras aborda uma repórter de TV que estava fazendo uma transmissão ao vivo no lugar, dá-lhe um beijo no rosto e diz que a ama, em frente à câmera, deixando a coitada constrangida e abalada.

A produção franco-canadense da diretora Monia Chokri mal começou e já de cara se nota que não estamos diante de uma obra comum. Bem, uma dica de que se trata de um filme, digamos, mais “alternativo” é que ele foi exibido na mostra Midnight de Sundance 2022.

Baseado na peça teatral de autoria de Catherine Léger, Babysitter é estilizado, criativo, engraçado e maluco, além de ser um filme sobre a confusão mental em que vivemos, quando homens – e mulheres também – são confrontados pela misoginia velada e, às vezes, nem tanto, da nossa cultura e sociedade. Cédric (vivido por Patrick Hivon e sua ótima cara de pateta) é o sujeito que abordou a repórter. Por causa disso, ele é colocado em licença do seu emprego e, junto com seu irmão Jean-Michel (Steve Laplante), decide escrever uma carta de desculpas à repórter. Carta que logo se transforma em um livro, um pedido de desculpas épico a todas as mulheres que ele desrespeitou na vida…

Cédric é casado e sua esposa, Nadine (interpretada pela própria diretora), está sofrendo com a criação do bebê chorão e inquieto do casal. Por isso, eles contratam uma babá: Amy (Nadia Tereszkiewicz) é misteriosa, loira e linda – em uma cena a diretora até parece referenciar Lolita (1962), de Stanley Kubrick – e a sua presença vai expor as hipocrisias e maluquices dos homens da história e seu relacionamento com as mulheres.

CONTO DE FADAS MALUCO E IRÔNICO

Chokri usa de modo criativo alguns arquétipos e clichês – a própria babá sedutora sendo um deles – justamente para desorientar o espectador, fazê-lo rir e surpreendê-lo com uma experiência que não se sabe para onde vai. A montagem do filme dita o ritmo da comédia, com momentos nos quais os diálogos fluem como rajadas de metralhadoras pelos atores.

Visualmente, lembra produções dos anos 1960 com cenários coloridos, abundância de closes, muito soft focus, brilho e surrealismo. E a trilha sonora parece de um suspense antigo em vários momentos. Há ainda alguns instantes de humor visual inspiradíssimos, como na cena de Nadine na banheira de um motel – só os sons e as reações da atriz despertam o riso – ou quando o busto avantajado de uma garçonete invade o quadro.  

Nada é realista em Babysitter, a começar pelas atuações – Hivon e Laplante são hilários, enquanto Chokri consegue transmitir o estado emocional de sua personagem reprimida muitas vezes apenas com um abrir de olhos. Percebe-se que o elenco se divertiu muito nas filmagens e isso transparece na tela. Mas os dilemas e subtextos narrativos são tratados com seriedade: objetificação; libertação dos papeis tradicionais de marido e esposa; a hipocrisia de homens que se dizem feministas, mas perdem todos os argumentos ao ficar diante de uma jovem bonita.

E de fato, a grande qualidade de Babysitter é dramatizar esses temas na sua atmosfera de conto de fadas maluco e irônico.  Uma abordagem realista poderia deixá-lo didático e, pior ainda, o transformaria em uma pregação. Ao abraçar a estilização, Monia Chokri consegue colocar na tela de modo mais criativo e interessante a psicologia e os desejos internos dos seus personagens. E, ao usar a comédia e o surrealismo para falar sobre masculinidade tóxica, Babysitter entretém ao mesmo tempo em que convida o espectador à reflexão.

Nem sempre a comédia acerta o seu alvo e o final do filme é um tanto enigmático demais, mas há mais criatividade e cinema em cinco minutos de Babysitter do que em muitos dos dramas caretas que são produzidos todos os anos falando sobre esses mesmos temas.

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