As qualidades de “Sangue Azul” são alcançadas de forma tão eloquente que se tornam capazes de esconder as graves falhas do filme dirigido por Lírio Ferreira. Por trás das belas imagens e da pretensão da trama, esconde-se uma obra carregada de indefinições sem capacidade de dar o resultado ao que promete.

O encanto com o filme surge logo pela ambientação: poucos são lugares tão belos quanto Fernando de Noronha. Com o início em preto e branco, o diretor de fotografia Mauro Pinheiro Jr se esbalda para criar imagens poéticas sobre a força daqueles homens e mulheres para montar o circo Netuno em uma região paradisíaca. E “Sangue Azul” também vai bem desenvolvendo os conflitos iniciais do protagonista Zolah (Daniel de Oliveira), entregue pela mãe (Sandra Corveloni) ao dono da atração circense (Paulo César Pereio, impagável) quando era criança para que saísse da ilha e fosse viver o mundo.

Além disso, o relacionamento pacífico e, posteriormente, turbulento entre os moradores da ilha e os artistas do circo aliada à tensão sexual com as cenas picantes cria um clima de ebulição a ponto de gerar a impressão de que tudo está prestes a explodir. Para completar, ver o elenco com nomes como Matheus Nachtergaele, Milhem Cortaz, além dos já citados Oliveira, Corveloni e Pereiro, transmite a sensação de segurança ao espectador pela qualidade dos atores envolvidos no projeto.

“Sangue Azul”, porém, não consegue dar vazão a todo esse caldeirão. O roteiro escrito pelo próprio Lírio Ferreira, Fellipe BarbosaSérgio Oliveira sofre com a quantidade excessiva de personagens. Se os dramas de Zolah são bem desenvolvidos por terem mais tempo de cena, rendendo momentos de impacto como a tentativa de reconciliação com a mãe, além, claro, do ótimo desempenho de Daniel Oliveira, outros ficam perdidos como são os casos de Matheus Nachtergaele e Milhem Cortaz. A esses, cabe usar todo o talento que possuem para criar figuras dignas de serem lembradas.

A escolha narrativa de dividir a trama em capítulos se mostra outro erro. Obsessão de muitos filmes recentes brasileiros (“A História da Eternidade”, “O Som ao Redor”, “Praia do Futuro”), esse tipo de estrutura se mostra desnecessária em “Sangue Azul” pelo simples fato de antecipar ao público o que ele verá adiante com títulos nada inspirados (a justificativa em homenagear Graciliano Ramos com os nomes dos livros dele pode até ser singela, porém, não ajuda o filme) e não haver um equilíbrio entre eles, especialmente, a quarta parte (“Angústia”) que soa complemente deslocada pelo fechamento perfeito do terceiro trecho.

Não dá para negar que “Sangue Azul” é marcado pela paixão e entrega dos participantes. Todo o discurso sobre sonho, fantasia, amor pela vida, a magia pelo circo, o respeito à cultura afro e às lendas, o cuidado técnico com o figurino e direção de arte, além da intensidade das atuações colaboram para o encantamento com o projeto. Porém, a obra de Lírio Ferreira se perde, assim como os personagens, nas belezas de Fernando de Noronha e na pretensão de querer falar sobre tudo e todos, quando, na verdade, deveria se concentrar no complexo e inquieto Zolah.