“Só porque você é paranóico, não significa que eles não estejam atrás de você” – Joseph Heller, escritor americano (1923-1999)

Desde crianças, aprendemos que é bom desconfiar. Da proverbial serpente de Adão ao WikiLeaks, já vimos o suficiente em traições, espionagem e conspirações ocultas para não duvidar disso – ou melhor, duvidar sempre, de tudo e de todos.

Mas há um ponto em que a desconfiança torna-se outra coisa. Uma dimensão paranoide, em que intenções malignas se escondem até nos gestos mais insignificantes, e uma singela criança e seu “gatinho” podem dar pistas sobre um devastador evento global: são as teorias da conspiração. O cinema está cheio delas, desde filmes que nos propõem a “verdadeira” realidade, além do controle da mídia e dos políticos, até as criações mais estapafúrdias e sem noção. Confira agora as mais fascinantes, bem como o nível de loucura – ou de sinistra lucidez – que levou alguns a conjurá-las.

“JFK” e a “verdadeira” verdade sobre o presidente americano

“JFK” e a “verdadeira” verdade sobre o presidente americano

A história estabeleceu que, em novembro de 1963, o então presidente americano, John F. Kennedy, foi assassinado com um tiro na cabeça, disparado por um louco solitário, de simpatias comunistas: Lee Harvey Oswald. Informações divulgadas à época davam conta de que Lee agiu sozinho, usando o treinamento adquirido em anos como fuzileiro do Exército, e ficamos combinados desse jeito. Até que, em 1991, o diretor Oliver Stone (Platoon, Nascido em 4 de Julho) decidiu bagunçar o coreto.

Usando todo o seu talento, o diretor armou uma brilhante peça de conspiração, onde fatos novos e obscuros do período anterior à morte do presidente ressurgem em novo relevo, formando JFK – A Pergunta que Não Quer Calar (1991). Com um elenco impecável – Kevin Costner, Tommy Lee Jones, Joe Pesci, Donald Sutherland – e explorando criativamente a edição, Stone propõe que a morte de Kennedy pode ter sido fruto de uma complexa rede de interesses, todos conspirando para frear as iniciativas do jovem líder, que afrontavam o establishment político e militar do país.

Tudo faz bastante sentido, e é apresentado de forma espetacularmente convincente por Stone, mas, sendo tão inconclusivo quanto a própria teoria que o filme procura refutar, continuamos tateando no escuro, à procura da “verdadeira” (e talvez insondável) verdade sobre a sequência de eventos que precipitou a morte de novembro de 1963.

Loucolômetro: 3,0. Às vezes arbitrário, e inconclusivo. Mas não é que faz sentido?

Vincent Vega (John Travolta), em Pulp Fiction - Tempos de Violência

“Pulp Fiction”: a alma na maleta?

Um dos clássicos do cinema da década de 1990, “Pulp Fiction – Tempo de Violência” (1994) cativou meio mundo com seus diálogos absurdos e situações imprevisíveis, e até hoje continua um deleite de se assistir. Principalmente se você atentar para um detalhe: o que há na mala que Vincent (John Travolta) e Jules (Samuel L. Jackson) enfrentam mundos e fundos para devolver, no final do longa? Quando, enfim, Pumpkin (Tim Roth) tem a chance de abri-la, vemos apenas uma luz amarela, mas o olhar de maravilhamento do personagem, e a exclamação (“Que bonito!”) da companheira Honey Bunny (Amanda Plummer) continuam a intrigar.

Entre outras coisas, os fãs já especularam que se trataria de joias, barras de ouro, uma coroa e outros símbolos de poder. Porém, a teoria mais criativa é a de que a mala conteria a alma do gângster Marsellus Wallace (Ving Rhames), que este teria comprado de volta do próprio diabo. Isso explicaria por que, numa cena crucial, Vincent e Jules escapam ilesos de um tiroteio obviamente fatal – seria uma ajuda do próprio Deus, sempre disposto a reclamar mais uma alma ao tinhoso. O diretor do filme, Quentin Tarantino, achou a interpretação bastante coerente, mas afirmou que a única resposta possível para o enigma é essa – interpretação –, e que não deve jamais dar uma resposta definitiva sobre o misterioso conteúdo.

Loucolômetro: 6,0 (nada que a luz vermelha dos Homens de Preto não resolva rapidinho)

Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge

“O Cavaleiro das Trevas” NÃO ressurge; ele nem sequer começou

Para todos aqueles que vibraram com as aventuras épicas de Bruce Wayne (Christian Bale), na trilogia primorosa de Christopher Nolan, aqui vai um belo balde de água fria: o Homem-Morcego pode nem sequer ter existido. Isso porque todos os enredos mirabolantes vividos pelo milionário justiceiro podem não passar de imaginação do mordomo Alfred (Michael Caine). Segundo algumas teorias que circulam na internet, Wayne pode ter falecido ainda na juventude, ao cair na gruta cheia de morcegos de Batman Begins (2005). Todos os desenlaces posteriores seriam um delírio do devotado mordomo, consumido pela culpa.

A ideia é bem vista sobretudo por aqueles que não engoliram o final alegrinho de O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012). Para esses, a ideia de um ricaço de fama mundial namorando incógnito em Florença, na Itália (paraíso turístico e dos endinheirados), seria simplesmente inaceitável. Os ranhetas alegam ainda que nem toda a tecnologia dos armamentos de Wayne seria capaz de devolvê-lo com vida da explosão nuclear ocorrida em sua aeronave, no final do terceiro capítulo da saga. A explicação para a cena final, então, seria que Alfred (mais uma vez) teria enfim se matado, e reencontrado Wayne e a Mulher-Gato (Anne Hathaway) no Paraíso, numa visão utópica aos moldes do misterioso final de Taxi Driver – Motorista de Táxi (1976), de Martin Scorsese, que até hoje quebra a cabeça dos conspiradores.

Loucolômetro: 7,5 (filmar uma trilogia que só existe na cabeça de um mordomo arrependido parece meio… louco)

Toy Story 3

Pixar: bichinhos fofinhos e a devastação mundial

Nem todo o encanto do belíssimo universo Pixar – companhia de animação digital responsável pelos melhores filmes do gênero, desde o pioneiro Toy Story (1995) – foi capaz de conter a imaginação louca de alguns conspiracionistas na web. Jon Negroni, por exemplo. Por meio do site Pixar Detective, ele vem espalhando teorias bizarras sobre o que poderia ser o futuro desolador da humanidade – por meio dos bichinhos fofos de Monstros S.A. e afins!

Segundo Negroni, todos os filmes da Pixar formam uma timeline bem coerente, onde os eventos apontam para experiências com magia e ciência, que dariam vida a brinquedos e animais e causariam uma grande guerra, na qual os humanos tentariam escravizar tais criaturas (Toy Story, Procurando Nemo, Vida de Inseto, Ratatouille), o que provocaria a morte de super-heróis criados para detê-las (Os Incríveis) e culminaria com a devastação total do planeta (Wall-E). Mais adiante, com o domínio dos seres mecânicos sobre a Terra (Carros), a humanidade regressaria e promoveria experiências genéticas com os animais remanescentes, a fim de criar os monstros que povoam a saga Monstros S.A.. A paixão da garotinha Boo pelo peludo Sully, porém, faria esta viajar pelo tempo, e procurá-lo até no período insular da Idade Média (Valente – ela seria a bruxa que cruza o caminho da heroína Merida), onde seus experimentos animariam os animais e brinquedos – dando início a todos os conflitos. Ufa!

Além da ideia de um “universo Pixar” bem assustador, conspiradores inspirados também vêm encontrando ligações sutis entre os filmes da Disney, como a que imagina os pais das princesas Elsa e Anna (de Frozen – Uma Aventura Congelante) como as vítimas do navio afundado que é um importante elemento cênico em A Pequena Sereia (1989). Melhor parar por aqui – antes de encontrar Tyler Durden ao acordar.

Loucolômetro: 9,5 (mundo pós-apocalíptico com brinquedos e carros fofinhos é forçar a amizade)

Máscara bizarra de cachorro em O Iluminado

“O Iluminado” e a falsa chegada do homem à Lua

Poucos cineastas foram tão analisados quanto Stanley Kubrick. O gênio por trás de 2001: Uma Odisseia no Espaço, Laranja Mecânica, Glória Feita de Sangue e outros já foi tema de um sem-número de teses, estudos, monografias e artigos, nos mais diversos cantos do planeta. O mais incrível é que sua obra segue intacta, à prova de tanta dissecação. Mesmo assim, a paranoia não para.

Exegetas malucos juram perceber, em O Iluminado (1980), diversos indícios de que Kubrick teria participado na “encenação” da chegada do homem à Lua, em 1969. Ou seja, o filme seria uma conspiração dentro de outra conspiração!

No livro Secrets of The Shining, o autor Jay Weidner aponta “paralelos” entre elementos do filme e a suposta farsa lunar: Jack Torrance (Jack Nicholson) promete zelar pelo Hotel Overlook no inverno, em um possível simbolismo da Guerra Fria, então à toda; uma das camisetas de Danny (Danny Lloyd) traz os dizeres “Apollo 11 USA”, nome do módulo que desembarcou Neil Armstrong e cia. no corpo celeste; o quarto mal-assombrado, originalmente de número 217 no livro de Stephen King, passou a ser 237, em outra referência ao evento (no caso, a distância entre a Terra e a Lua, que seria de 237.000 milhas); por fim, no antológico “All work and no fun makes a Jack a dull boy” (“Trabalho sem diversão faz de Jack um bobalhão”), a palavra “All” na verdade estaria grafada como “A11”, em nova citação à aeronave.

A explicação seria que Kubrick, após o histórico episódio, teria se tornado dispensável e até perigoso para a inteligência americana, por estar sabendo demais, e que ele teria usado o filme para deixar pistas sobre o fato, em caso de um possível rapto ou até mesmo morte.

Essa é apenas a mais mirabolante das teorias sobre o filme, mas há mais: tem quem diga que O Iluminado é uma metáfora sobre o massacre dos nativos americanos; outros que o Hotel Overlook seria o inferno; outros, ainda, que Torrance seria o próprio diabo. Bizarrices à parte, o fato é que O Iluminado é uma maravilha de atmosfera e ambiguidades, e certamente merece a atenção especial que Jay Weidner e tantos outros conspiradores vêm devotando nesses 35 anos desde o seu lançamento.

Loucolômetro: o ápice – 10 (ou 100, ou 1000). Coisa pra hospício mesmo.