Dirigido por Gavin Hood (“X-Men Origens: Wolverine”), “Segredos Oficiais” se junta a narrativas de vazamentos oficiais como “O Quinto Poder” (2013) e “Snowden” (2016), para mostrar ao público outro lado da Guerra no Iraque. O filme torna a publicação de uma troca de mensagens entre os governos americano e britânico um suspense político em que o maior destaque está nas atuações. 

“Segredos Oficiais” se baseia na história verídica de Katharine Gun (Keira Knightley), uma funcionária do GCHQ – agência de inteligência britânica ligada ao setor de comunicação -, que, em 2003, pouco antes de iniciar o conflito no Iraque, vazou um e-mail em que a NSA – Agência de Segurança Nacional dos EUA – pedia ao governo britânico que espionasse membros do Conselho de Segurança da ONU para adquirir informações que pudessem ser usadas para convencer as delegações a votarem a favor da Guerra no Iraque. A questão é que no Reino Unido existe uma lei que proíbe a divulgação de informações oficiais qualquer empregado do governo. O e-mail, porém, acaba sendo publicado pelo The Observer e Gun, enquadrada pela quebra da lei.  

Inspirações em ‘Spotlight’ e ‘Todos os Homens do Presidente’

O roteiro de Sara e Gregory Bernstein acompanha o período de um ano, que corresponde ao momento da publicação do e-mail no jornal e o julgamento da protagonista. Em sua construção, é interessante notar o cuidado para não colocar a personagem central como vítima e nem tampouco como militante anti-guerra. Ao mesmo tempo em que o espectador observa as atitudes de Gun, a narrativa apresenta outros pontos de vista como a repercussão do escândalo na mídia e o debate popular para preencher as várias peças que correspondem a importância dessa informação vir a público.  

Toda essa articulação cria tramas paralelas dentro da narrativa, que, embora se cruzem poucas vezes ou em nenhum momento, são complementares e interligadas. Por um lado, há a situação de Gun, suas conversas com o advogado (Ralph Fiennes) para evitar a condenação, as ameaças a permanência de seu esposo (Adam Bakri) no país; e, por outro lado, temos o núcleo da investigação jornalística de Martin Bright (Matt Smith). Mesmo que nunca haja um diálogo entre eles, as ações de Gun refletem diretamente no trabalho de Bright, que afeta a vida dela a cada palavra que publica sobre o tema. 

Neste emaranhado, embora possa soar confuso, o que se percebe é uma coesão que consegue transformar um filme sobre guerra em um drama que ora soa como um jogo de espiões ora como um drama jornalístico, uma mistura de “Todos os Homens do Presidente” (1976) com “Spotlight”(2016).  

Sutilezas no elenco

E o que mais auxilia a tornar o filme coerente é a forma como os personagens são construídos: gente como a gente. Gun, por exemplo, é vista em vários momentos assistindo aos noticiários políticos e indignada com o que vê; da mesma forma ela afirma, mais de uma vez, que tomou a decisão de divulgar os documentos para salvar vidas.

Essas atitudes a aproximam do público e criam um fator de identificação com a personagem. Contudo, essa aproximação se torna mais plausível devido a atuação do elenco.

Knightley possibilita ver o sofrimento de sua personagem com apenas o movimento dos olhos, trazendo a maior parte da carga emocional do filme. Sua interpretação é contida, mas cheia de pequenas inserções que permitem se colocar no lugar da personagem. Enquanto isso, Matt Smith e Ralph Fiennes equilibram a balança, oferecendo novas camadas à narrativa.  

URGÊNCIA NÃO ALCANÇADA

Apesar disso, “Segredos Oficiais” tem como pontos fracos o último ato, que perde o ritmo conforme a história tenta flertar com um final agridoce, e o timing fora de hora de uma narrativa voltada à Guerra no Iraque, embora a forma como a explora seja bastante inteligente.

Por conta dessas escolhas, no entanto, o filme nunca consegue atingir a urgência pretendida, pairado sempre no drama dos personagens e dificilmente levando a reflexão de como essa decisão do governo foi catastrófica em vários patamares.

“Segredos Oficiais” é um filme de várias camadas que consegue dar um tom diferente a uma história real e intrigar o espectador com o que é visto em tela. Fica a lembrança de uma guerra que poderia ter sido evitada. 

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...

‘Origin’: narrativa forte em contraste com conceitos acadêmicos

“Origin” toca em dois pontos que me tangenciam: pesquisa acadêmica e a questão de raça. Ava Duvernay, que assina direção e o roteiro, é uma cineasta ambiciosa, rigorosa e que não deixa de ser didática em seus projetos. Entendo que ela toma esse caminho porque discutir...