Recentemente Eduardo e Flávio Bolsonaro fizeram uma visita a Manaus. Na ocasião, Eduardo, deputado federal, declarou a um portal da cidade que “o Brasil elegeu um Presidente conservador sem ter um grande canal midiático conservador”. Tal afirmação possibilita um diálogo interessante com “Blackout”, ficção científica dirigida por Rossandra Leone.
Roteirizado pela própria Leone ao lado de Pedro Gomes, o curta mostra um Rio de Janeiro futurista, onde os bailes na favela são carregados de iluminação neon e artistas negros como Linn da Quebrada se tornaram referência para jovens idealistas. Apesar disso, o racismo, machismo e violação de direitos de minorias prossegue, sendo esta a relação de poder estabelecida entre o poder público e a favela. E é nesse ponto que a fala do deputado federal paulista encaixa-se na produção.
Somos levados a uma sala de interrogatório, onde uma mulher negra é acusada de ter ideias próprias. Leone replica máximas embutidas no discurso conservador como os xingamentos, a falsa visão sobre cotas e privilégios, além do tratamento destinado à mulher negra. Por mais absurdos que muitas dessas falas possam soar, ouvi-las na rua ainda é algo frequente e parece inerente a muitos brasileiros. Curiosamente, a acusação do governo a Luana (Adrielle Vieira) encontra raízes na ideologia e no posicionamento da personagem em defender jovens negros de comunidades.
Vale ressaltar, nesse ínterim, a personificação adotada pelos algozes de Luana, uma espécie de “Matrix”. Enquanto saem às ruas em busca de bloqueadores de memória, uma espécie de aparelho que inibe a lavagem cerebral imposta pelo governo as comunidades, assemelham-se aos agentes da “M.I.B”. No entanto, o tom adotado no interrogatório deveria remeter ao Agente Smith, mas a interpretação de Marcéu Pierrotti deixa a desejar.
Quem também não consegue encontrar um tom mordaz é Vieira que varia entre falas arrastadas e o exagero. Apesar disso, ela se sobressai quando não necessita de diálogos, prova disso são suas cenas iniciais como hacker e o momento mais angustiante do filme quando cortam suas tranças e a colocam dentro de um figurino que remete bastante as roupas usadas pelas martas e aias de “The Handmaid´s Tale”. A cena consegue transmitir a violência e o estigma destinados ao negro e a mulher, cada vez mais frequentes em 2020.
O mais interessante em “Blackout”, contudo, é perceber como a ficção científica tem encontrado abrigo entre as produções brasileiras e sendo utilizada de forma criativa, fugindo dos velhos estereótipos do gênero e apresentando, realmente, características nacionais. Embora os diálogos e as atuações não consigam ampliar a discussão em torno de política e preconceito, é satisfatório poder ver uma mulher negra lutando pelos direitos das comunidades.