• “Suprema” (2018). Direção: Mimi Leder. Elenco: Felicity Jones, Armie Hammer, Kathy Bates

Por mais que não pareça, cinebiografias são sempre difíceis de serem executadas. Qualquer produção do tipo fica sempre na gangorra entre conseguir fazer jus ao retratado e, ao mesmo tempo, ter personalidade própria sem soar como uma propaganda. Neste caso, “Suprema” consegue mais jus à primeira meta.

Dirigido por Mimi Leder (“Impacto Profundo” e “A Corrente do Bem”), “Suprema” acompanha os primeiros anos da carreira da segunda mulher a compor a Suprema Corte dos Estados Unidos, Ruth Bader Ginsburg (Felicity Jones), desde seu ingresso na Universidade de Harvard até trabalhar em um caso que marcou a luta por igualdade de direitos entre homens e mulheres. Durante esta trajetória profissional, muitos aspectos da vida pessoal de Ruth também são retratados, mostrando como ambos cenários moldaram a personalidade da advogada.

Logo no início, o filme mostra o ótimo relacionamento que Ruth mantém com seu marido Martin Ginsburg (Armie Hammer), também estudante de direito em Harvard. Além de compartilhar a paixão pela profissão, ambos entendem as limitações impostas para Ruth como uma mulher na área da advocacia, um tema recorrente na rotina do casal. Mesmo com boas atuações individuais, principalmente por Felicity Jones, a química entre ela e Armie Hammer não ocorre da maneira desejada, porém, compensam esbanjando carisma o suficiente para fazer o filme seguir adiante.

ENTRE ERROS E ACERTOS

Uma das melhores escolhas do roteiro é adiantar sua narrativa e não ficar presa somente ao caso principal de Ruth. Assim, “Suprema” é divido em duas partes: a primeira mostra a protagonista lidando com as frustrações no mercado de trabalho com dificuldade para atuar como advogada e o segundo momento foca na preparação da personagem para o tribunal. Esta divisão ajuda muito a manter um bom ritmo no filme que o torne interessante para o público, sendo muito bem administrado pela montagem ao lidar com três épocas diferentes da vida de Ruth em apenas uma hora de longa.

Esta escolha também poupa o espectador da constante saga de acompanhar inúmeras cenas em tribunais, algo típico de produções do gênero. Em “Suprema” inclusive, existem momentos estratégicos para driblar a falta de audiências, indo desde as aulas de Ruth como professora em uma Universidade até um ensaio de tribunal em casa com sua família.

Mesmo com esta escolha louvável, quando a cena em questão finalmente chega a seu momento, a produção apresenta escolhas comuns. A sequência no tribunal segue à risca o artifício de criação de expectativa com a protagonista enfrentando uma perda eminente até salvar o dia com um discurso motivador.

O mesmo ocorre quando seu amigo e apoiador Mel Wulf (Justin Theroux) a pede para abandonar o caso, o colapso perfeito antes da virada final. A produção ainda tropeça em alguns pontos, mas consegue se salvar de última hora como na quase romantização do câncer de Martin ou no surgimento do marido como o salvador de Ruth perante o tribunal, uma ideia que, felizmente, logo é abandonada.

Mesmo com estes excessos, as qualidades já citadas ganham força com a abordagem da relação entre Ruth e sua filha Jane (Cailee Spaeny). A diferença entre de idade serve, principalmente, para evidenciar a importância de protestos e discussões públicas sobre a igualdade de gênero para a realização de mudanças efetivas no Legislativo, sem desmerecer nenhum dos dois cenários. Ao evidenciar a influência cultural e modificação comportamental como fatores fundamentais na mudança social e constitucional “Suprema” dialoga diretamente com as diferentes gerações que o assistem no século XXI, conseguindo provar sua temática como atual e relevante.

Assim, apesar da escolha por uma narrativa simples e comum a tantas cinebiografias que buscam enaltecer a personalidade escolhida, “Suprema” consegue cumprir seu papel em apresentar os primeiros anos da trajetória de Ruth Bader Ginsburg. O filme, assim como o momento que retrata, é um ponto de partida para seus espectadores conhecerem Ruth e sua importância na luta por igualdade de gênero.

Dentre tantas personalidades e histórias reais servindo como inspiração para filmes medianos, “Suprema” é uma obra bem-sucedida por apresentar uma relevância a qual independe da época ou geração que a assiste.